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Graduação - Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina - Correlação Clínico-Experimental em Patologia

CORRELAÇÃO CLÍNICO-EXPERIMENTAL EM PATOLOGIA

Prof. Jonathas Xavier Pereira

 

  Desde o início do século XXI o panorama da medicina vem mudando baseado no conceito de ciência translacional. Ciência translacional não significa apenas “pensar fora da caixa,” mas, também, pensar com mentes diferentes, bem como diferentes profissionais, diferentes ideias e abordagens. A interdisciplinaridade é a chave mestra na construção da ciência translacional, cuja origem foi insidiosa ao redor do mundo, tendo se fortalecido, primeiramente, nos Estados Unidos, e, mais tardiamente, na Alemanha, Canadá, Reino Unido, Japão, China, França, Austrália e Índia.

  A ideia de ciência translacional tem suas primeiras evidências em 1992, através do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, onde se buscava: “promover pesquisa interdisciplinar e acelerar a troca bidirecional entre ciência básica e clínica para mover os achados de pesquisa básica do laboratório para os ambientes aplicados envolvendo pacientes e populações." Mais tarde, em 2012, foi fundada a primeira revista científica de Medicina Translacional chamada: “Science Translational Medicine” (Figura 1) e, a partir de então, a ideia da ciência médica como área multidisciplinar foi difundida pelo mundo a fora.

 

TranslationalScience

Figura 1: Capa da revista Science Translational Medicine. A primeira revista dedicada à Medicina Translacional.

 

  Grandes resultados foram obtidos a partir da ideia da multidisciplinaridade na medicina, antes mesmo das primeiras evidências históricas da ciência translacional. Podemos citar, por exemplo, a descoberta da estrutura do DNA em 1953, que serviu de base para diversos estudos dentro da área biológica experimental, até chegarmos ao projeto Genoma Humano em 1990. Tal projeto teve o seu desenvolvimento fundamentado pelos importantes avanços experimentais nas áreas da genética e da bioquímica e, atualmente, possui expressiva importância clínica na área da medicina humana.

  A Patologia, por exemplo, possui diversas vias de correlações clínico-patológicas, que foram oriundas, na verdade, de correlações clínico-experimentais. Tais correlações clínico-experimentais consistem na reprodução de casos clínicos humanos (doenças) em modelos experimentais dentro de laboratórios objetivando estudos elucidativos do mecanismo das doenças (patogenia). A patogenia, por sua vez, constitui o elemento central para a Patologia Experimental investigativa, que contribui, significativamente, para uma Patologia Translacional, que por sua vez tem se mostrado eficaz em contribuir para a Medicina Humana. Diante deste cenário de integralização da ciência, podemos visualizar um círculo de contribuições científicas multidisciplinares, que formam os pilares da Medicina Translacional aplicados à Patologia (Figura 2).

Fig.2PatologiaHumana Experimental

Figura 2: Alicerces da MedicinaTranslacional aplicados à Patologia.

 

  Em uma abordagem prática, a Patologia Experimental auxilia na elucidação dos mecanismos das doenças observadas na Patologia Humana, seguindo os princípios da Medicina Translacional. Tomemos, como exemplo, um carcinoma ductal de mama. Em uma abordagem clínica, teremos a sua ectoscopia e a macroscopia, de acordo com a figura 3.

 

Fig.3 Ectoscopia

Figura 3: Ectoscopia e Macroscopia de um carcinoma mamário humano.

 

  Caso busquemos outra abordagem de estudo para a mesma enfermidade, podemos ter uma correlação clínico-patológica bem semelhante, se observarmos a mesma doença induzida em um modelo experimental desenvolvido em laboratório, conforme ilustra a figura 4. Tal correlação clinico-experimental contribui para a Medicina Translacional no estudo da patogenia do carcinoma mamário.

 

fig.4CarcinomaMamarioExperimental

Figura 4: Ectoscopia e Macroscopia de um carcinoma mamário experimental desenvolvido através da inoculação de células tumorais, ortotopicamente, na mama de camundongos Balb/c.

 

  Atualmente, a estratégia de mimetizar uma doença em laboratório é recorrente na ciência e, quando se tem um bom modelo experimental, consegue-se, com sucesso, uma boa correlação clinico-experimental. Muitos modelos experimentais estão disponíveis na literatura científica. Dentre eles podemos citar:

 

1. Penfigoide Bolhoso Autoimune

  Em humanos, o penfigóide é uma doença desenvolvida pelo sistema imunológico, que degrada uma proteína chamada desmogleína, responsável pela integridade dos desmossomos, promovendo, então, a desunião dermoepidérmica pelo acometimento da membrana basal de um epitélio. Tal evento culmina em bolhas na pele, devido a uma inflamação aguda do tipo serosa, conforme ilustra a figura 5.

 

Fig.5PenfigoideBolhosoAutoImune

Figura 5: Penfigóide Bolhoso Autoimune Humano. A: Ectoscopia da lesão; B: Microscopia da lesão (H&E), mostrando infiltrado inflamatório e destacamento da epiderme formando bolha; C: Depósitos de IgG na membrana basal evidenciados por imunofluorescência, indicando autorreatividade imunológica (autoimunidade).

 

  Em laboratório tal doença pode ser estudada a partir da inoculação de anticorpos que reconheçam a membrana basal do epitélio diretamente na junção dermoepidérmica de camundongos Balb/C, conforme mostra a figura 6. Tais anticorpos ativam o sistema imunológico, mimetizando a autoimunidade neste modelo experimental.

 

Fig.6PenfigoideExperimental

Figura 6: Modelo experimental de Penfigóide Bolhoso em camundongos Balb/c. A: Lesão em dorso do animal; B: Depósito de IgG; C: Depósito de C3 por imunofluorescência; D: Microscopia (H&E) demonstrando separação dermoepidérmica, com a consequente formação de bolha (v).

 

2. Pleurite Fibrinosa Aguda

  Em humanos, a pleurite fibrinosa se desenvolve, macroscopicamente, como uma pseudomembrana, que une os pulmões à pleura, devido a um processo inflamatório agudo com exsudato, tipicamente, fibrinoso, conforme ilustra a figura 7.

 

Fig.7PleuriteFibrinosa

Figura 7: Pleurite Fibrinosa Aguda Pseudomembranosa. A: Aspecto macroscópico; B: Microscopia (H&E) da pleurite, evidenciando filamentos de fibrina juntamente com um exsudato inflamatório.

 

  Em laboratório, a pleurite fibrinosa pode ser mimetizada através da infecção por Pasteurella haemolytica em esquilo da Sibéria, por via sanguínea, tendo como resultado um exsudato fibrinoleucocitário na cavidade pleural, conforme ilustra a figura 8.

 

Fig.8PeluriteFibrinosaExperimental

Figura 8: Modelo experimental de Pleurite Fibrinosa em esquilo da Sibéria. A Pleurite Fibrinosa é representada pela microscopia (H&E), através do conteúdo extremamente eosinofílico e anucleado verificado na imagem próximo a uma zona basofílica, que representa o infiltrado leucocitário.

 

3. Broncopneumonia

  Em humanos, a broncopneumonia, quando associada à infecção por Streptococcus pneumoniae, apresenta abscessos macroscópicos, bem como microabscessos vistos à microscopia óptica através da coloração pelo método da H&E, conforme ilustra a figura 9.

 

Fig.9Broncopneumonia

 Figura 9: Broncopneumonia Humana. A: Pulmão demonstrando abscessos vistos macroscopicamente em forma de coleções amareladas no parênquima pulmonar; B: Microabscessos vistos à microscopia óptica no parênquima pulmonar (H&E).

 

  Experimentalmente, a broncopneumonia pode ser estudada em laboratório através da inoculação de Klebsiella pneumoniae, por via inalatória, em camundongos C57BL/6, após 5 dias de infecção, dando origem a microabscessos conforme ilustra a figura 10.

 

 Fig.10BroncopneumoniaExperimental

Figura 10: Modelo Experimental de Broncopneumonia. A: Camundongo C57BL/6; B: Fotomicrografia (H&E) 48 horas pós-inoculação de Klebsiella pneumonia por via inalatória; C: 5 dias pós-inoculação de Klebsiella pneumonia por via inalatória, onde pode-se observar infiltrado inflamatório a nível de bronquíolos, formando microabscessos.

 

4. Pielonefrite Aguda/Crônica

  Em humanos, a pielonefrite está associada a infecções bacterianas no trato urinário, causando uma inflamação, a princípio, de caráter agudo e, posteriormente, de caráter crônico, de acordo com a evolução da doença, demonstrando comprometimento glomerular, muitas vezes hemorrágico, levando os pacientes à hematúria, conforme ilustra a figura 11.

 

Fig.11PielonefriteHumana

Figura 11: Pielonefrite em humanos. A: Macroscopia da pielonefrite; B: Microscopia (H&E) da pielonefrite demonstrando infiltrado inflamatório entre os túbulos renais e eventuais focos hemorrágicos.

 

  Experimentalmente a pielonefrite pode ser reproduzida pela inoculação transuretral de Escherichia coli uropatogênica no trato genital de camundongos C3H/HeOuJ, sendo capaz de reproduzir os eventos inflamatórios, tanto agudos, quanto crônicos, dependendo do tempo de infecção, conforme demonstra a figura 12.

 

Fig.12PielonefriteExperimental

Figura 12: Modelo experimental de Pielonefrite. A: Camundongo C3H/HeOuJ; B: Escherichia coli uropatogênica a ser inoculada na uretra de camundongos; C: Fotomicrografia (H&E) demonstrando infiltrado inflamatório no parênquima renal, na zona tubular; D: Exsudato inflamatório em zona glomerular formando um abscesso; E: Hialinização de glomérulos; F: Formação de trombo intravenoso, em meio a um microambiente inflamatório (T).

 

  Diante de todos esses exemplos, percebemos a tamanha importância da correlação clínico-experimental no entendimento da patogenia das doenças, bem como a abordagem multidisciplinar que formam a base para a Medicina Translacional.

  Um bom modelo experimental explica ou complementa a doença vista em humanos, bem como serve para modelos de estratégia preventiva, comportamental, assim como modelos de tratamento e resolução de doenças.

 

Referências:

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