A HISTÓRIA DA AUTOPSIA
Pedro Laín Entralgo; Lester Snow King; Marjorie Clara Meehan; Erwin Heinz Ackerknecht; Giorgio Zanetti; Jan G. van den Tweel; Clive R. Taylor; Julio Enrique Cuervo Escobar; Wilson Alves Ribeiro Jr; Joffre Marcondes de Rezende; Regina Andrés Rebollo; Guillermo Calvo Soriano; Alex Vargas; Marcelo López; Claudio Lillo; María Josefina Vargas; Emilio Suarez; Noel Si-Yang Bay; Boon-Huat Bay; James Longrigg; Christos Yapijakis; David K. Osborn; Lilian Al-Chueyr Pereira Martins; Paulo José Carvalho da Silva; Sandra Regina Kuka Mutarelli; Fridolf Kudlien; Paul Klemperer; Paul Ghalioungui; John Francis Nunn; Esmond Ray Long; Armando Tavares de Souza; Guenter B. Risse; Fridolf Kudlien; Charles Singer; Juliet Barker; Kathleen Crowther; Katharine Park; Elizabeth Keen; Régine Pernoud; Miguel Ruiza; Tomáz Fernández; Elena Tamaro; Marcel Durán; Jonathan Burke; James J. Walsh; Immanuel Jakobovits; Loris Premuda; Vern L. Bullough; Mario Crespi; Arturo Castiglioni; Mark Washofsky; Edward Grant; Amparo Nogales Espert; Steven I. Hajdu; C. D. O’Malley; M. M. Mortazavi; N. Adeeb; B. Latif ; K. Watanabe; A. Deep; C. J. Griessenauer; R. S. Tubbs; T. Fukushima; C. C. Boof; Rafael Romero Reverón; Judit Forrai; Jerome J. Bylebyl; Hans Kangro; Mark E, Silverman; A. Karenberg; Samuel Johnson; Carla P. Aguirre Marco; Pierre Chabbert; Jaime Eduardo Pérez Perales; José L. Fresquet Febrer; Ariel Roguin; J. D. Rolleston; Magnus Manske; Joslyn L. Campbell; Garabed Eknoyan; Amy E. Wells; Stanley O. Hoerr; William F. Bynum; Caroline Walker Bynum; Anne Hardy; Stephen Jacyna; Christopher Lawrence; E.M. Tansey; Lawrence I. Conrad; Michael Neve; Vivian Nutton; Roy Porter; Andrew Wear; Heinrich Schipperges; Maria Pia Donato; Walter Pagel; G.A. Lindeboom; Elizabeth A.R. Brown; Julian L. Burton; Houchang D. Modanlou; Jacek Gulczyński; Ewa Iżycka-Świeszewska; Marek Grzybiak; Rosalie Helena de Souza Pereira; Wallace Bruce Fye; Maya Shwayder; Madadin Mohammed; Magdy A. Kharoshah; Richard K. Emmerson; Hector O. Ventura; Asma Mian; Koichi Watanabe; Mohammadali M. Shoja; Marios Loukas; R. Shane Tubbs; Llario Panairjdde; Heinrich von Staden; Alexandra Mavrodi; George Paraskevas; Michael Besser; Megan Webb; Christopher Howse; Maude E. Abbott; James P. B. O’Connor; Alexandre Moreira Almeida; Krishan M. Thadani; Kevin Knight; S.A. Kutya; T.A. Schvets; M.V. Melnik; Norman R. Goodman; Thomas P. Duffy; Jeffrey L. Goodman; JD, Esquire; Walter I. Hofman; Chantal C H J Kuijpers; Judith Fronczek; Frank R W van de Goot; Hans W M Niessen; Paul J van Diest; Mehdi Jiwa.
O questionamento da causa da morte sempre esteve presente nos pensamentos médico e não médico, mesmo há muitos e muitos séculos, quando a prática e a teoria médicas ainda não tinham uma correlação racional, sendo buscadas como causas das doenças poderes não naturais, espirituais, astrológicos, ocultos, entre outros.
A palavra “autopsia” significa, de modo estrito, “ver a si mesmo,” “fazer uma inspeção pessoal.” Porém, o seu significado ficou restrito à dissecação de um corpo para a verificação da causa da morte e, ou da natureza das doenças; sendo sinônimo de necropsia, necroscopia.
Abordamos alguns tópicos relevantes para a melhor compreensão da história da autopsia, citando-se alguns dentre os muitos personagens mais importantes.
Pode-se, historicamente, distinguir dois períodos conceituais na explicação das doenças e da morte, a saber: o pré-técnico ou da magia e o técnico ou da ciência da natureza.
O Período Pré-Técnico ou da Magia
Neste período, que vai das origens da humanidade até a Grécia nos séculos VI e V a.C, a ajuda ao enfermo era regida por uma combinação de tratamento empírico (pela repetição de prática curativa descoberta por acaso, sem a preocupação de se saber o porquê de sua eficácia) e magia (por poderes misteriosos extranaturais, que podem ser mobilizados para um determinado fim, por meio de ritos específicos realizados por magos, bruxos, feiticeiros, pajés, xamãs), com o predomínio maior de um ou do outro, sendo este modo de ver convertido em doutrina, de acordo com o modo próprio de viver de cada povo. Assim, pensava-se que o viver humano seria controlado por deuses ou forças espirituais, associadas ou não com os elementos da natureza, ou acima das forças da natureza. Estes deuses ou forças espirituais responderiam aos desejos humanos, ou seriam aplacados, segundo determinados ritos ou sacrifícios realizados. Desse modo, as doenças, as epidemias, as vitórias ou as derrotas em guerras, a riqueza, a pobreza, etc, estariam à mercê da vontade dos deuses ou das forças espirituais. Deve-se levar em conta que a cura das enfermidades pela magia é uma invenção do homem relativamente tardia, pois a sua vigência é nula ou muito escassa em culturas mais primitivas do passado. Prevalece nos povos primitivos atuais e não desapareceu nas sociedades ditas civilizadas em vista da permanência das práticas do ocultismo (magia, astrologia, tarô, jogo de búzios, quiromancia, etc).
No pensamento mágico, pré-técnico, sendo as enfermidades fruto, principalmente, da ação de deuses, ou de forças espirituais, não havia a preocupação, ou o interesse no estudo das doenças por meio do exame do corpo após a morte. Porém, nesta mentalidade, o exame das vísceras de um animal morto, especialmente do fígado, a hepatoscopia, podia trazer informações quanto ao futuro, o aruspício, por meio de sinais proféticos a serem interpretados pelos sacerdotes adivinhadores, os arúspices, devidamente treinados; prática comum desde cerca de 3.500 a.C.. Cria-se que o deus que aceitava um dado sacrifício identificava-se com o espírito do animal sacrificado, sendo as intenções do deus refletidas nos sinais encontrados no fígado, através da análise da sua morfologia, cujos achados eram interpretados pelo arúspice, permitindo a predição do futuro, o vaticínio. Nesta prática muito se registrou sobre as anatomias normal e patológica, conhecimentos que, com o tempo, foram formando um todo relevante para a prática da necropsia, ao ser considerada importante para a compreensão do adoecer e do morrer.
Hepatoscopia-Aruspício: Diagrama de fígado de bronze de ovelha encontrado
na província de Piacenza, Itália, com inscrições etruscas (séc. III-II a.C)
O Período Técnico. A Ciência da Natureza e os Primórdios Científicos
Deve-se ao mundo helênico, a Magna Grécia, a Sicília e a costa Jônica, na Ásia menor, a ilha de Cós, o acontecimento mais importante da história universal da medicina, a constituição desta como um saber técnico, a partir do final do século VI a.C.. No exercício técnico da medicina o médico se propõe atuar na cura do enfermo sabendo o porquê do que faz. Nesta mudança de paradigma o médico, obrigatoriamente, passou a pergunta-se o que são, em si mesmos, o remédio, a doença e o homem, mediante os saberes fundamentais de uma Physiologia ou Ciência da Natureza, cuja concepção excluiu as causas transcendentes, não naturais, nas enfermidades e outros fenômenos do viver.
Alcméon de Crotona (cerca de 510 a.C.) |
Alcméon de Crotona (c. 510 a.C.), filósofo, discípulo de Pitágoras, e médico grego, de Crotona, principal centro do pensamento de Pitágoras de Samos (ca. 571 ou 570 a.C. - ca. 497 ou 496 a.C.), filósofo e matemático grego, afirmava que a saúde depende da isonomia, equilíbrio, harmonia, das seis qualidades dos componentes do corpo, ou potências: quente e frio; seco e úmido; amargo e doce. O predomínio de uma das qualidades resultaria em um desequilíbrio, surgindo a doença; sendo a cura o restabelecimento da isonomia. Assim, por exemplo, a enfermidade poderia ocorrer, tendo como causa, um excesso de calor ou de frio; como motivo próximo um excesso ou deficiência na alimentação, e como sede, local, o sangue, a medula ou o encéfalo; podendo, às vezes, originar-se da água; de uma região ou comarca, ou de esforços físicos excessivos ou outros análogos. As concepções de Alcméon refletem a primeira abordagem da doença com a sua causa externa, a causa próxima e a sede, localização, do dano, ou seja, uma Pathologia Physiologica. Alcméon foi o iniciador da “medicina fisiológica” e Hipócrates de Cós o seu verdadeiro fundador. |
Hipócrates (468 – 377 a.C.) |
Hipócrates de Cós (468-377a.C.), médico grego, natural de Cós, pequena ilha na Ásia menor, afirmava que as doenças têm causas naturais e não se originam da ação de deuses ou de forças espirituais, sobrenaturais. Nesta concepção o adoecer deve-se às leis naturais, com causas e efeitos resultantes de uma sequência lógica, racional, inteligível. Apesar deste modo de pensar cientificamente a medicina, a prática da autopsia ainda esperou 18 séculos para se tornar importante no estudo das doenças, de suas causas, mecanismos, e das alterações anatômicas e fisiológicas, que explicam os sinais e os sintomas, constituindo-se a especialidade conhecida como Patologia. A Escola Hipocrática de Cós favorecia a formação médica generalista, pois considerava a doença uma afecção geral do organismo, sendo vão procurar distinguir as doenças umas das outras com base nos sinais e sintomas, porque estes variam no decorrer da mesma doença, em si “uma abstração,” e o doente o problema real. Em contraposição havia a Escola de Cnide, que reconhecia as doenças pelos sinais e sintomas e procurava relacioná-los com os órgãos doentes, ou seja, a disfunção dos órgãos explicaria as doenças; sendo necessários médicos especialistas. Esta escola priorizava o diagnóstico das doenças em si e o tratamento ativo e local, incluindo o cirúrgico. |
Para os filósofos gregos a Physiologia era a ciência da natureza (phýsis), onde buscavam descrever e explicar os fenômenos naturais do viver. A palavra phýsis englobava a “Natureza Universal,” soberana, divina, o fundamento de toda realidade, e também a “natureza particular,” de cada coisa, indivíduo, aquilo pelo qual cada coisa é o que é; podendo-se falar em “Phýsis” e “phýsis.” Assim, todas as phýsis ou naturezas particulares, não seriam senão configurações diversas de um princípio de operações comuns, a unitária Phýsis universal. Dito de outro modo, a Phýsis universal se realizaria e se concretizaria na particular, dando a cada coisa ou indivíduo, a sua própria phýsis, a sua constituição específica, sendo sempre mantida uma inter-relação harmônica e ordenadora, recíproca, da Phýsis universal com a phýsis particular. Desse modo, a phýsis humana era passível de ser conhecida de modo racional, quanto à sua constituição e regularidade, por meio da observação, da experimentação e do raciocínio. Devido à inter-relação da Phýsis universal com a phýsis particular, para os médicos hipocráticos, havia uma razão fisiológica para a espontânea tendência da phýsis em curar por si mesma as enfermidades que, às vezes, padecem os indivíduos, isto é, “a phýsis cura por si mesma.” Desse modo, a doença era vista como uma luta entre a força curativa da natureza (Phýsis), ao tentar restabelecer o estado fisiológico, e as causas das enfermidades que o perturbam. O papel do médico era apenas auxiliar a força da natureza para vencer a doença, colocando o paciente em condições favoráveis, por meio de uma terapêutica racional, caracterizando-se a arte (ars) ou técnica (tékhnê) médica em ação.
Ao conceito de phýsis associava-se o entendimento da Patologia Humoral, defendida pela Escola de Cós, segundo várias escolas filosóficas gregas, a qual se fundamentava na doutrina dos quatro elementos básicos de Empédocles de Agrigento (504-433 a.C.), o ar, a água, o fogo e a terra, sendo estes, misturados em diversas proporções, os formadores de todos os corpos, vivos e não vivos. Aos elementos básicos associavam-se as quatro qualidades, úmido, frio, quente e seco, e os seus análogos com os quatro humores do corpo: o sangue, com origem no coração, quente e úmido como o ar; a fleuma (pituita), com origem no cérebro, fria e úmida como a água; a bile amarela, com origem no fígado, quente e seca como o fogo, e a bile negra (atra bilis), com origem no baço, fria e seca como a terra. A saúde dependia de um equilíbrio entre os humores no corpo, a eucrasia, que envolvia a distribuição, a proporção, as propriedades e as quantidades dos mesmos, numa mistura boa, e a doença era devido a uma mistura anormal ou distribuição desequilibrada dos humores (falta, excesso ou isolado, sem combinação com os outros), caracterizando a discrasia. As discrasias humorais determinavam a natureza das doenças e eram dependentes das condições ambientais (clima, estação do ano), da alimentação, do tipo de vida, etc: as discrasias fleumáticas eram mais comuns no inverno, as sanguíneas na primavera, as da bile amarela no verão, e as da bile negra no outono. Para a Escola de Hipócrates, com base no conceito da phýsis, explicado anteriormente, acreditava-se na tendência normal do corpo doente em evoluir para a cura, porque a força curativa da natureza tenderia a restabelecer o equilíbrio humoral fisiológico (eucrasia), tendo as doenças três estádios neste processo: um preliminar, cru (apepsia); um de amadurecimento, chamado de “cocção” (pépsis) dos fluidos (humores) alterados e, finalmente, um estádio de terminação, de crise (crisis/krísis), com a eliminação dos humores supérfluos, mal distribuídos, ou as suas misturas anômalas. O conhecimento dos dias do estádio de crise (crisis/krísis) era fundamental para o correto tratamento. Concepções semelhantes envolvendo os elementos básicos de Empédocles e a Patologia Humoral eram também aceitas pelos povos antigos egípcios, indianos e chineses, entre outros orientais.
Os escritos hipocráticos (Corpus Hippocraticum) deixaram descrições sobre a inflamação dos ferimentos, por exemplo, e registraram que os pacientes com supurações apresentam calafrios e febre. A febre era tida como um sinal do esforço do corpo em preservar a vida pela cocção dos humores alterados, e a tosse, o vômito, a diarreia, a sudorese, a ulceração, etc, significavam o estádio de crisis, na qual os humores formados no estádio de cocção (pépsis) eram expelidos. O pus era considerado meramente uma transformação do sangue aquecido, onde o mesmo apodreceu. Caso, porém, com o tratamento médico (dieta, exercícios, repouso, banhos, medicamentos, sangrias), o organismo não fosse capaz de sustentar os estádios de cocção ou de crisis, a morte ocorreria. Geralmente o tratamento baseava-se no conhecimento da causa da doença (etiologia), cujo remédio apropriado era o seu contrário, o oposto, por exemplo, uma doença envolvendo um distúrbio da bile negra, fria e seca, deveria ser tratada com medicamento quente e úmido. O entendimento do curso da doença permitia prever a sua evolução e o seu modo de terminar (cura ou morte), estabelecendo-se o prognóstico.
O estudo da Anatomia dos seres vivos teve, para os filósofos gregos, uma importância considerável, especialmente a anatomia dos animais irracionais, com menor ênfase a anatomia humana, porém, em geral, sem a preocupação de se buscar uma explicação anatômica das enfermidades, devido à Doutrina dos Humores prevalente, como anteriormente descrito, que explicava o adoecer como consequência dos distúrbios nos fluidos (humores) corporais, sendo dada quase nenhuma importância aos componentes sólidos, os órgãos e tecidos, do corpo, salvo em algumas condições cirúrgicas, onde os distúrbios anatômicos eram evidentes, para serem ignorados. Por exemplo, o câncer nos órgãos superficiais era conhecido, tendo sido introduzido o termo καρκίνος (carcinos) para a úlcera que não sarava, incluindo as hemorroidas, e καρκίνωμα (carcinoma) para o tumor maligno. Ao tumor duro era empregado o termo σκίρρος (cirroso).
No mundo antigo os conhecimentos anatômicos, apesar de apresentarem um crescimento lento, tiveram pequeno impacto nas doutrinas médicas, o que só veio mudar a partir da “Idade Média,” com a queda do Império Romano. Por exemplo, no Egito, a prática religiosa do embalsamento dos corpos naturalmente envolvia a dissecação para a remoção dos órgãos internos, permitindo-se a observação da anatomia normal ou patológica, que, usualmente, não era comunicada ou registrada por escrito, aos sacerdotes e aos que praticavam a medicina. De fato, os estudos nas múmias têm revelado muitas enfermidades cardíacas, pulmonares (tuberculose, pneumonias, pleurisias, abscessos, antracose), aterosclerose, cirrose hepática, atrofia e abscesso renais, tumores ósseos, osteomielite, tuberculose vertebral, artrite deformante, cálculos biliares, etc. Os registros da medicina egípcia podem ser lidos, por exemplo, nos papiros Edwin Smith (c. 1.550 a.C.) [Edwin Smith (1822-1906), negociante e colecionador de antiguidades, norte-americano] e Ebers (c. 1.500 a.C.) [Georg Moritz Ebers (1837-1898), egiptólogo e escritor alemão], entre outros (de Berlim; Carlsberg; Chester Beatty; de Kahoun; de Londres; de Ramesseum; Hearst).
O papiro Edwin Smith é um livro de instrução cirúrgica no formato de rolo, com uma parte frontal dividida em 17 colunas (377 linhas) e um verso com 5 colunas (92 linhas). Na parte frontal é feita uma descrição do coração e das veias e o relato de 48 casos de pacientes, em geral vítimas de traumatismos (27 da face e do crânio; 6 do pescoço; 2 da clavícula; 3 do úmero; 8 do esterno, peito e costelas; 1 do ombro e 1 da região lombar da coluna vertebral). São relatadas as observações clínicas, minuciosas e repetidas, e feitos comentários explicativos. As descrições sobre cirurgia e anatomia patológica são completas e minuciosas para a época, revelando que eram realizados, por exemplo, exames cuidadosos das feridas, em vida e após a morte. Há relatos sobre fraturas de crânio, coluna vertebral, etc, sendo diferenciadas as luxações das fraturas. Os sinais e sintomas são agrupados em síndromes e com associações entre o sítio da lesão e a clínica, como a correlação entre a paralisia e a fratura do crânio ou da coluna vertebral. As descrições incluem os prognósticos e os tratamentos possíveis, racionais, como bandagem, redução das fraturas, uso de talas, suturas, cauterização, drenagem, etc. No verso são descritas 8 fórmulas de encantamentos para exorcizar os ventos das pragas do ano; um diagnóstico ginecológico; uma receita para doenças do ânus, e duas receitas para melhorar as feições, sendo uma para rejuvenescimento, etc.
Edwin Smith (1822-1906) | Papiro Edwin Smith (parte) |
O papiro Ebers contém 110 colunas com 877 parágrafos, que registram um tratado de medicina com a coletânea de diferentes textos médicos. Inicia-se com um ritual mágico, de encantamento, e no resto há poucos encantamentos e relatos de vários tratamentos, a saber: para aumentar o apetite, a função intestinal e a digestão; das dores reumáticas e da paralisia dos membros; do resfriado; das doenças dos olhos, dos ouvidos, do estômago, do fígado, dos pulmões, do coração e das veias, e dos dedos de mãos e pés; das doenças ginecológicas; das obstruções intestinais; das mordeduras e queimaduras; dos cuidados com a pele e os cabelos, dentes e a língua; dos abscessos e tumores, etc.
Georg Moritz Ebers (1837-1898) Papiro Ebers (parte)
Os papiros demostram conhecimentos de anatomia, rudimentares e em geral errôneos, antes do surgimento da Escola de Alexandria, principalmente de gado, cujas mortes eram supervisionadas pelos médicos e sacerdotes. Há um considerável interesse nas estruturas do corpo humano, como já foi citado, envolvendo ferimentos ou fraturas, doenças dos olhos, tumorações ulceradas, disenteria, parasitoses, amputação, curativos, venissecção, etc, em geral, porém, sem muitas referências às doenças sob o ponto de vista médico científico, especialmente as tidas como causas o transcendente (deuses, demônios), sendo buscado o tratamento por meio da prática da magia, encantamentos (medicina sacerdotal). Porém, em Alexandria, já no século III a.C., os egípcios praticavam a dissecação em corpos humanos para estudo da anatomia normal e das alterações relacionadas com as doenças.
Herophilus (335-280 a.C.) |
Herófilo (Herophilus, 335-280 a.C.), médico grego, natural de Calcedônia, famoso professor em Alexandria, Egito, fazia autopsias em público, explicando os procedimentos. Realizou mais de 600 dissecações humanas, especialmente de criminosos. Descreveu, em um Tratado de Anatomia, o sistema circulatório, diferenciando as veias das artérias e dos nervos, as valvas cardíacas; o sistema nervoso central, sendo conhecida a prensa (lagar, tórculo) de Herófilo (confluência dos seios venosos da dura-máter), os nervos do encéfalo e espinhais, distinguindo os motores e os sensoriais; o duodeno (nome dado por ele por ter o comprimento de doze dedos), o fígado, o pâncreas; os órgãos reprodutores; o olho, etc. Tentou procurar a causa das doenças pela dissecação anatômica humana. Herófilo desenvolveu um sistema fisiológico da vida baseado em quatro forças: a nutritiva, localizada no fígado e no trato digestivo; a calorífica, localizada no coração; a mental, localizada no cérebro, e a sensitiva, localizada nos nervos. Junto com seu aluno Erasístrato (304-250 a.C) fundou a Escola Médica de Alexandria de fundamentação anatomofisiológica. Parece que a dissecação, e talvez mesmo a vivissecção (especialmente em criminosos), humanas foram praticadas em Alexandria até a época de Galeno. |
Erasistratus (304-250 a.C) |
Erasístrato (Erasistratus, 304-250 a.C.), médico, anatomista e fisiologista grego, fez dissecações em animais e humanas, com importantes contribuições no estudo dos sistemas nervoso e cardiovascular. Descreveu o coração com as valvas atrioventriculares, as cúspides na aorta e no tronco da pulmonar, a veia cava, etc. Considerava o coração como a origem das veias e artérias, conforme Aristóteles (385-322 a.C), filósofo grego, pioneiro no estudo da anatomia comparada. Erasistrato abandonou a teoria humoral prevalente e adotou a Teoria Solidista, ao preconizar que as doenças estão relacionadas com as alterações nos órgãos sólidos. Por exemplo, registrou que o fígado de um homem que morreu com ascite (hidropsia) é duro como pedra (cirrose) e que o mesmo órgão em um homem que morreu por picada de cobra é amolecido (necrose). Considerou a ascite não uma enfermidade humoral devido à alteração da fleuma, e sim uma doença relacionada com o fígado duro. Apesar disso, na busca das alterações dos órgãos havia também confusão entre a causa e o efeito, e.g. a inflamação era vista como consequência da congestão dos vasos terminais com sangue. Assim, a inflamação dos pulmões era devido à congestão das artérias pulmonares. |
Erasistrato acreditava na existência de três circulações, uma para o sangue nas veias, uma para o ar, a partir dos pulmões, pelas artérias (por causa da elasticidade das suas paredes, após a morte, o sangue é drenado para os capilares, ficando as artérias cheias de ar, ao serem abertas), e uma para o pneuma animal ou psíquico pelos nervos, considerados estruturas tubulares. Para ele o sangue formado no fígado, a partir dos alimentos, era conduzido pelas veias para a nutrição de todo o corpo. O ar dos pulmões, pelas veias pulmonares, ia para o ventrículo esquerdo do coração, onde se transformava no pneuma vital, e era distribuído pelas artérias para todos os órgãos. O pneuma vital que atingia o cérebro era transformado em pneuma animal ou psíquico e conduzido pelos nervos para todos os órgãos. Erasistrato admitia a existência de comunicações, as sinanastomoses, entre as ramificações finais das veias e as das artérias, as quais seriam pérvias apenas em condições patológicas, como na inflamação, na febre, podendo o sangue, nestas situações, ocupar as vias do pneuma.
Asclepíades (c. 128-156 a.C) |
Asclepíades de Bitínia (c. 128-156 a.C), filósofo, retórico e médico grego, defendeu a escola do Solidismo, oposta à do Humoralismo hipocrática, porém sem descartar este totalmente, por admitir que algumas enfermidades resultariam de perturbações dos humores ou pneuma. Adotou a doutrina atomista de Epicuro de Samos (c. 341–270 a.C), que afirmava serem os corpos constituídos por átomos de várias formas e tamanhos, que deixam intervalos entre si ou canais (poros), por onde circulam átomos menores, sendo a saúde um estado de equilíbrio dos átomos entre si e com os poros e o regular movimento dos átomos nos poros. Na enfermidade haveria “tensão” entre os átomos por disporem-se mais compactamente, fechando-se os poros, ou “atonia”, relaxamento entre os átomos, com a saída dos mesmos de seus lugares. Asclepíades considerava um mito a força curativa da natureza, porque a natureza não tem poder algum para alargar ou apertar os poros. Para ele a atitude hipocrática de espera pela cura espontânea pela natureza não passava de uma “meditação sobre a morte.” Sua terapêutica fundamentava-se em massagens, fricções, banhos, dietas, movimentos passivos e ativos, etc. |
Galenus (c.130-200 d.C) |
Cl. Galeno (Clarus Galenus, c. 130-200 d.C.), médico grego, natural de Pérgamo, Ásia menor, muito valorizou as dissecações e vivissecções anatômicas em animais irracionais, especialmente em macacos, pela semelhança com os humanos, com o intuito de compreender a função a partir da morfologia dos órgãos do corpo, segundo as concepções de Aristóteles (385-322 a.C.), filósofo grego. Muito contribuiu, em sua imensa e influente obra médica, para o desenvolvimento e a expansão da Anatomia, Fisiologia, Patologia e Terapêutica, segundo várias escolas, filosóficas, de Hipócrates, Alexandrina e outras, de modo eclético, fazendo uma brilhante síntese, além de muitos estudos originais, com abordagem rica em conteúdo, profunda, detalhada, fruto das suas observações, experimentações e dissecações. Apesar de sua prolífica produção literária, Galeno muito especulou, especialmente na explicações fisiológicas. Fez da doutrina humoral a base da fisiopatologia geral. Dos quatro humores fundamentais dependiam também os temperamentos dos indivíduos: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático, cujas perturbações constituíam a própria doença. Para Galeno a doença podia derivar das alterações dos humores ou da modificação patológica das partes sólidas em inúmeras modalidades. (Clarus Galenus = Ilustre, Célebre, Galeno e não Claudio Galeno). |
Esquema da Doutrina dos Humores sistematizada por Galeno.
A. C. Celsus (c. 30 a.C – 38 d.C) |
Aulus Cornelius Celsus (c. 30 a.C – 38 d.C), romano, escritor enciclopedista, fez importante compilação da prática médica de seu tempo (higiene e dietética, farmacêutica, cirurgia, patologia geral, tratamentos de várias doenças, etc) na obra De Re Medicina, que ficou esquecida por séculos, sendo redescoberta em 1443 por Tommaso Parentucelli (Tommaso di Sarzana), futuro Papa Nicolau V (1447-1455), na Igreja de Santo Ambrósio de Milão, passando a ser enaltecida, com entusiasmo, pelos médicos da época e, inclusive, estendendo a sua influência sobre a medicina do Renascimento. Foi reimpressa em 1478, em Florença, antes das obras de Hipócrates e Galeno. Na leitura da obra De Re Medicina, em 8 livros, constata-se a influência das Escolas de Hipócrates, de Asclepíades de Bitínia e dos médicos anatomistas de Alexandria, com informações sobre a anatomia patológica e a fisiologia da época. No livro III há a clássica citação dos quatro sinais da inflamação (rubor, tumor, calor e dor): “Notae vero inflammationis sunt quatour, rubor et tumor, cum calore et dolore.” |
O Período Medieval. As Dissecações e as Autopsias
Uma crônica inglesa do ano de 1111 refere sobre a evisceração de um vassalo de um rei norueguês, que retornou de Jerusalém e morreu, juntamente com vários outros, cuja causa da morte aventada foi ter bebido vinho muito forte, que afetou o seu fígado, cujas mesmas alterações foram, previamente, observadas no fígado de porco imerso no mesmo vinho. Considerando-se este exemplo e vários outros que serão descritos, as dissecações humanas não eram proibidas no período medieval, incluindo o exercício da medicina por mulheres, podendo-se citar, Santa Hildegarda de Bingen (1098-1179), abadessa e monja beneditina alemã, Doutora da Igreja, autora de várias obras teológicas, sobre música e outras artes, científicas e médicas, como Physica (História Natural, em 9 livros e 513 capítulos), que aborda sobre zoologia, botânica, a origem dos metais e o significado das pedras preciosas, constituindo uma farmacopeia, e Causae et Curae, que trata das enfermidades e suas causas, numa descrição sistemática e minuciosa, seus tratamentos, e sobre a formação do homem, sua condição embrionária, suas fases de crescimento, e os estados do corpo são e enfermo, incluindo capítulos sobre a constituição sexual, o comportamento sexual e as doenças venéreas.
Ao contrário do mito, o estudo da anatomia humana recebeu um grande estímulo na Europa cristã. Na realidade a dissecação anatômica cresceu com a prática da autopsia e esta com a do embalsamamento, incluindo a dos corpos dos santos e santas. A Igreja Católica favorecia tais estudos, pois a contemplação da anatomia e de outros aspectos do mundo natural serviam como fonte de assombro, admiração, maravilhamento e de gratidão ao Criador, sendo muito úteis para a educação de todos os cristãos e não apenas dos médicos. Além disso, os tabus relacionados com a abertura e os cortes dos cadáveres humanos existentes, em geral, com algumas exceções (Herófilo e Erasistrato em Alexandria, Egito), na Grécia e Roma antigas, foram desaparecendo pela influência do Cristianismo, já que os povos antigos citados consideravam que a abertura dos corpos seria um distúrbio para a alma, uma profanação, e o contato com os mesmos, fonte de impureza, e os corpos fontes de poluição, miasma, sendo, usualmente, enterrados longe dos limites da cidade. Para os gregos a pele intacta era considerada sagrada e sinal de completude e de proteção para cada indivíduo e a comunidade, favorecendo a unidade, a coesão, a ordem e a solidariedade entre os seus membros. Na Escola Hipocrática as incisões da pele eram permitidas nas sangrias ou para resolver problemas de saúde envolvendo impurezas, desequilíbrios dos humores, etc. Por outro lado, em Alexandria, Egito, durante a dinastia dos Ptolomeus, a intervenção do faraó, senhor absoluto, no interesse de tornar Alexandria um centro de excelência literário e científico (século III a.C), os valores tradicionais gregos não eram importantes, de modo que as dissecações e vivissecções eram permitidas e estimuladas, inclusive devido à sistemática mumificação dos corpos que era, naturalmente, associada com a dissecação, em geral, por meio de pequenas incisões para ser mantida a integridade do corpo. Também favorecia a dissecação as filosofias de Aristóteles (385-322 a.C.), de Epicuro (c. 341–270 a.C) e dos estoicos, que não consideravam problema moral ou de impureza a dissecação humana, e o ambiente eclético de Alexandria nos aspectos filosófico, cultural, social, científico, político e ideológico. A Escola de Alexandria declinou, após a invasão romana por Julio Cesar em 47 a.C..
Bartholomaeus Anglicus (ca. 1203 – 1272), frade franciscano (Ordem dos Franciscanos Menores, OFM), enciclopedista e professor de Teologia na Universidade de Paris, incluiu a discussão sobre a anatomia humana em sua enciclopédia, De Proprietatibus Rerum, 1240, com 19 volumes, sobre todas as ciências da época (Teologia, Filosofia, Medicina, Astronomia, Cronologia, Botânica, Geografia, Mineralogia).
Bartholomaeus Anglicus, cena de dissecação em De Proprietatibus Rerum, 1240.
Roger Bacon (1214-1294), frade franciscano (Ordem dos Franciscanos Menores, OFM), teólogo, filósofo e cientista inglês, da escola empirista (onde a aquisição dos conhecimentos se baseia na observação), com trabalhos em astronomia, óptica, geografia e em medicina, e Arnau de Vilanova ou Arnaldo de Villanova (c. 1235-1311), clérigo, médico e astrólogo catalão, clínico muito conceituado em seu tempo, com muitas obras escritas, recomendavam o estudo do corpo morto (autopsia), apesar de não haver registro de autopsias feitas ou observadas por eles.
Roger Bacon (1214-1294) |
Arnaldo de Villanova (c. 1235-1311) |
Em um manuscrito inglês do início do século XIV, da Bodleian Library de Oxford, há uma figura que representa uma autopsia de um corpo de mulher, aberto do apêndice xifoide à sínfise pubiana, onde um homem leigo segura uma faca e uma víscera e parece estar sendo orientado por um médico e um monge. Figuras de rins, pulmões, coração, estômago, etc, também são mostradas. Conforme a figura descrita anteriormente, os corpos das mulheres eram especialmente dissecados com o intuito de se entender as origens da vida humana, com atenção ao útero, considerado um órgão exemplar. Semelhantes descobertas foram feitas em vários outros manuscritos medievais, como entre os anos de 1266 e 1275, na Itália, onde dissecções médico-legais já eram feitas, especialmente relacionadas com a Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha. Nesta universidade as autopsias, dissecações humanas eram regularmente realizadas nos cursos de anatomia. Nos teatros anatômicos havia o cadáver dissecado no centro, de onde se mostravam os órgãos e outras estruturas para ilustrarem o texto em latim, na medida em que ia sendo lido pelo docente.
Ilustração de manuscrito (MS Ashmole 399, part 2, fol. 34r, de 1250 a 1310 A.D.), da Bodleian Library, Oxford,
com a representação de uma autopsia de mulher. Detalhes no texto.
Numa crônica de 1286 do frade franciscano Salimbene degli Adami (c. 1221-1290), historiador italiano, que muito viajou pela Itália e a França, lê-se o relato de uma grande mortandade de seres humanos e galinhas, provavelmente por gripe, em várias cidades da Itália. Em Cremona uma mulher havia perdido 48 galinhas. Uma autopsia comparada foi realizada numa galinha e em um homem, demonstrando que ambos apresentavam muitos apostemas (abscessos), levando as autoridades a advertirem do perigo no consumo de galinhas e de ovos.
Num outro relato de 1302, em Bolonha, Itália, os juízes determinaram a realização de uma autopsia em um nobre, conde Azzolino degli Onesti, que havia falecido em circunstâncias suspeitas de envenenamento, a qual teve a participação de dois médicos clínicos, dois cirurgiões, e de Bartolomeo da Varignana (c. 1278-1313), professor de medicina na Universidade de Bolonha, médico-legista, sendo concluído que a causa da morte de Azzolino não foi envenenamento, mas uma “grande quantidade de sangue na grande veia, chamada veia do quilo (veia porta), e nas veias próximas do fígado.” Em 1307, uma mulher chamada Ghisetta foi autopsiada e descobriram que a causa da morte foi hemorragia interna devido a um ferimento, que superficialmente parecia estar curado.
Bartolomeo da Varignana (c. 1278-1313) |
Durante praticamente todo o período da Idade Média os estudiosos procuraram recuperar os saberes dos antigos, assim como adquirir novos conhecimentos. Em medicina predominaram os estudos empíricos (fundamentados na observação) em anatomia, considerada a única disciplina médica capaz de proporcionar uma investigação precisa, sendo considerado muito bom médico o com conhecimentos em anatomia humana. No estudo das doenças as concepções de Galeno permaneceram como a base dominante do saber médico, apesar de irem, aos poucos, sendo questionadas e abandonadas, na medida em que foi terminando o período medieval.
Questões Sociais, Culturais e Religiosas
Complementando o escrito sobre o período medieval, a dissecação humana não era, em geral, praticada regularmente pelos pagãos, judeus, cristãos, antes do final do século XIII, e muçulmanos, salvo pelos gregos na Escola de Alexandria, Egito, no século III a.C., e, normalmente, pelos egípcios nos processos de embalsamamento e mumificação.
Tertuliano (Quintus Septimius Florens Tertullianus) (c. 155-240), apologista cristão latino, nascido em Cartago, Norte da África, e Santo Agostinho de Hipona (354-430), Bispo de Hipona, Doutor da Igreja, o mais importante dos Padres da Igreja, nascido em Tagaste, Numídia, África Setentrional, colocaram-se contra a dissecação humana por questões humanitárias, sociais e estéticas.
Tertuliano (c. 155-240) | Santo Agostinho de Hipona (354-430) |
No Concílio de Tours, França, em 1163, e em outros concílios da Igreja Católica, para coibir os abusos, foi determinado que os monges não deveriam deixar os claustros para assistirem conferências públicas na universidade, onde se ensinava medicina e as leis, no que eram imitados pelos sacerdotes seculares, ambos violando as suas obrigações religiosas ou de residência. Porém, não eram proibidos de fazerem tais estudos privadamente ou de atuarem como docentes publicamente. Não existe no Concílio de Tours citado, ou em quaisquer outros concílios, como num suposto Concílio de Le Mans (cuja citação não é encontrada na Catholic Encyclopedia), ou em outros documentos da Igreja Católica, um canon afirmando Ecclesia abhorret a sanguine ("A Igreja abomina o derramamento de sangue"), que vários historiadores citam como fundamento de uma proibição da Igreja ao exercício da medicina, cirurgia, pelos clérigos e, ou religiosos, ou à dissecação anatômica, o que teria contribuído para o atraso no desenvolvimento do conhecimento em medicina e no estudo da anatomia, em geral. Descobriu-se que tal afirmação inverídica foi escrita por François Quesnay (1694-1774), médico cirurgião francês, historiador e economista, no século XVIII, em sua obra Histoire de l'origine et des progrès de la chirurgie en France, em colaboração com François Bellial des Vertus, Paris, Charles Osmont, 1744. Na verdade, a proibição aos clérigos e, ou religiosos no exercício da medicina foi por motivo estrito e específico e feita no IV Concílio de Latrão (1215). Neste foi proibida aos clérigos e, ou religiosos praticarem atividades médicas, incluindo as que envolvessem cortar ou queimar (cauterizar), pelo risco de se causar a morte ou a mutilação, e por serem atividades seculares (do mundo), assim, fora das obrigações próprias dos religiosos e, ou dos clérigos. Porém, no caso de necessidade, os clérigos e, ou religiosos poderiam exercer a medicina por piedade e caridade para com os pobres, na falta dos médicos leigos.
Em 27 de setembro de 1299 e 12 de março de 1300 o Papa Bonifácio VIII (1294-1303) (Benedetto Caetani, 1230-1303) fez publicar a Bula De Sepulturis (Detestande feritatis), onde é afirmado no início: Corpora defunctorum exenternantes, et ea immaniter decoquentes, ut ossa a carnibus separata ferant sepelienda in terram suam, ipso facto sunt excommunicati .... (Cortar os corpos dos mortos, e barbaramente cozinhá-los, a fim de que os ossos sendo separados da carne, sejam levados para o enterro em seus próprios países, [os que assim fazem] são pelo próprio fato excomungados), e lendo-se todo o texto da Bula, constata-se que a finalidade era coibir os abusos para se preservar o respeito ao corpo humano, proibindo-se o desmembramento e o cozimento dos corpos, dos que tivessem morrido longe de suas residências, para separar os ossos dos tecidos moles, sendo estes enterrados separados dos ossos, de modo a facilitar levar os restos mortais (ossos) para os próprios países. Esta prática era realizada com os corpos dos cruzados mortos no Oriente e, frequentemente, no norte da Europa nos corpos de nobres alemães, franceses e ingleses, mortos distantes de suas residências. Apesar de ser uma proibição específica de uma prática funerária, pelo desmembramento e cozimento dos corpos, com enterros separados, alguns historiadores ou anatomistas, erroneamente, estenderam esta proibição para as dissecações anatômicas ou autopsias, em si, ou, simplesmente, repetiram afirmações alheias sem consultarem a Bula De Sepulturis. Na realidade não existem processos das autoridades eclesiásticas católicas contra os estudiosos da anatomia humana em quaisquer épocas, ou proibições, censuras, de suas publicações em anatomia humana. Na prática a Bula de Bonifácio VIII foi irrelevante para as gerações italianas subsequentes de docentes médicos, médicos particulares, juízes, conselhos de cidades, e não impediu a dissecação e o embalsamamento dos corpos de Papas posteriores.
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Mondino de’ Liuzzi (1275-1326), médico, anatomista e professor de cirurgia na Universidade de Bolonha, ao longo de sua vida realizou várias dissecações anatômicas em humanos e em animais. Em 1315 realizou a primeira dissecação humana pública, com quatro dias de exibição, na Escola Médica de Bolonha; sendo publicada a sua obra Anatomia corporis humani, em 1316, um manual de dissecação e texto anatômico, baseado nas concepções médicas de Galeno e dos árabes, a qual se tornou o texto de anatomia padrão no ensino universitário por mais de dois séculos.
Frontispício de Anatomia corporis humani, 1316, de Mondino de’ Liuzzi. |
Ao longo do século XIV, as autopsias e dissecações humanas eram muito comuns em várias cidades do norte da Itália, como por exemplo, no verão de 1348, nas comunas de Florença e de Perugia, onde os médicos eram pagos para abrirem os corpos de muitos que morreram em uma nova epidemia devastadora, o mesmo ocorrendo em Pádua, durante a peste, em 1363.
No século XV os médicos realizavam autopsias particulares a pedido dos familiares como em 1486, no caso da senhora Bartolomea Rinieri, de Florença, cujo marido pediu a autopsia relatando que a mulher havia morrido com cerca de 42 anos de idade, de doença do útero, por um fluxo que durou 18 meses e nenhum médico conseguiu curar, e que a própria esposa havia solicitado a sua autopsia para que a sua filha e outros pudessem ser tratados. Foi feita a autopsia que encontrou um útero calcificado, que nem uma faca conseguia cortar. Assim, o pedido se justificava pela preocupação das mesmas doenças misteriosas ou incuráveis nos familiares, de modo que pudessem ser preventivamente tratados ou curados.
Pietro D'Argellata (†1423) |
Pietro D'Argellata (†1423), médico italiano, professor de cirurgia na Universidade de Bolonha, Itália, realizou a autopsia, com descrição minuciosa, e o embalsamamento de Pietro Filargi da Candia (1340-1410), antipapa Alexandre V, que morreu em 3 de julho de 1410, com suspeita de envenenamento.
O Papa Sixto IV (1471-1484) (Francesco dela Rovere, 1414-1484), publicou uma Bula favorecendo os estudos do corpo humano pelos estudantes nas universidades de Bolonha e de Pádua; favorecimento confirmado pelo Papa Clemente VII (1523-1534) (Giulio Zanobi di Giuliano de’Medici, 1478-1534). |
Matteo Realdo Colombo (c. 1515-1559), médico, professor de anatomia e cirurgia nas universidades de Pisa, Pádua e Roma, escreveu um tratado de anatomia, De Re Anatomica, e comprovou que não passa sangue do ventrículo direito para o esquerdo, através do septo interventricular, que é impermeável, indo contra as afirmações de Galeno. Colombo realizou a autopsia de Santo Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus (Societas Iesus, S.J.), tendo encontrado cálculos nos rins, bexiga e vesícula biliar.
Matteo Realdo Colombo (c. 1515-1559) & Santo Inácio de Loyola (1491-1556)
Rabi Yechezkel Landau (1713-1793) |
Dentre os judeus igualmente o corpo humano sempre foi tratado com profundo respeito devendo o morto ser prontamente enterrado. O contato com o corpo morto exige purificação. Entretanto, há um registro de que, por volta do ano 100 d.C., os discípulos do Rabino Yishmael, hebreu, também médico, obtiveram o corpo de uma prostituta executada, que ferveram e separam os ossos para serem contados, sendo encontrados 252. O Talmude permitia a realização de autopsia no caso de poder ser salva a vida de um inocente acusado de assassinato. Apesar das autopsias, em geral, não serem aprovadas pelas autoridades judaicas, por serem consideradas uma dessacralização do corpo, houve um parecer do Rabino Yechezkel Landau (1713-1793), polonês, rabino chefe de Praga, a favor das autopsias somente para salvar a vida de pessoas no presente e não para adquirir o conhecimento de doenças, como o câncer, por exemplo, de modo a se propor terapias mais adequadas para os pacientes futuros. Estas proibições foram mantidas pelos judeus ortodoxos, porém há condições estritas que as permitem, a saber: 1) deve ser legalmente exigida (autopsia médico-legal); 2) ser o único modo de se obter a causa do óbito, de acordo com o parecer de 3 médicos; 3) ser importante para salvar a vida de outras pessoas com doença semelhante à do falecido, ou no caso desta ser hereditária, para proteger a vida dos parentes do falecido, que têm a mesma enfermidade; 4) para transplante de órgãos; 5) para a proteção imediata dos familiares e do público. 6) O enterro deve se feito prontamente, contendo o corpo todos os líquidos e órgãos, sendo permitido o atraso apenas se for para honrar o morto. |
Entre os muçulmanos também sempre houve grande respeito pelo corpo humano, sendo igualmente requerido o pronto sepultamento e a não cremação, tendo, usualmente, o período de luto, 3 dias após o enterro. No período inicial do islamismo, que teve a sua origem com o profeta Maomé (570-632 d.C), não se realizavam autopsias pelos motivos já citados e porque um cadáver não podia perder nenhuma parte e a dissecação contribuía para desfigurar o corpo e para atrasar o funeral. Porém, nos séculos X ao XII estudos anatômicos humanos por dissecação foram feitos, por exemplo, por Avicena e Rhazes.
Avicena (Ibn Sīnā) (980-1037) |
Avicena (Ibn Sīnā) (980-1037), filósofo e médico persa, considerado o príncipe dos médicos pelos contemporâneos, deixou muitos escritos, incluindo importantes estudos anatômicos humanos registrados em seu tratado Kitāb al-Qānūn fī al-Ṭibb, (Canon Medicinae), onde procurou conter todo o saber médico da época, numa abordagem sistematizada e com uma concepção aristotélico-galênica, incluindo a fisiologia, a patologia e a terapêutica, iniciando-se com uma teoria médica, etiologia, higiene, terapia e cirurgia, seguida de uma descrição detalhada sobre drogas; discussão sobre as doenças da cabeça aos pés; sobre a patologia geral, as febres, as pústulas, e os abscessos; os ferimentos; as fraturas; os venenos; cirurgia; obesidade e emagrecimento extremo. |
Rhazes (865-925) |
Muhammad ibn Zakariya al-Razi (Rhazes) (865-925), médico, alquimista e filósofo persa, em sua obra Kitāb al-Mansuri fī al-Ṭibb (Livro de Medicina Mansuriano) tratou sobre dieta, higiene, anatomia, fisiologia, patologia, diagnóstico, terapêutica e cirurgia, numa divisão teórica e prática, sendo a anatomia humana descrita em 26 capítulos. Avicena e Rhazes muito contribuíram para o conhecimento médico, cujas muitas obras escritas, tiveram grande influência na medicina medieval. Apesar das questões sociais e religiosas citadas ainda terem um peso importante no mundo muçulmano, para a não aceitação natural da realização de autopsias, a partir da segunda metade do século XX as autopsias médico-legais têm sido aprovadas sem maiores problemas. |
Nos séculos XVI e XVII há registros, na França e na Alemanha, de ações populares contrárias ao estudo da anatomia humana, considerada na França como um “horror,” assim como a realização das autopsias; apontando um editor de jornal alemão as dificuldades de se conseguir a autorização para as autopsias e as objeções levantadas pelos parentes do morto. Na realidade era, socialmente, considerada uma desonra exibir o corpo nu sendo dissecado diante de uma plateia, tanto para o defunto, quanto para os seus familiares, especialmente porque tais dissecações públicas tornavam o corpo não apropriado para o funeral habitual, sendo o defunto transportado em um caixão aberto. Por outro lado, as famílias, em geral, não se opunham às autopsias feitas privadamente, quando deixavam o corpo em condições de ser realizado um funeral. Em vista disto as autoridades civis passaram a regular a prática da dissecação. Em 1699, na República de Lucca, Itália, ocorreram também objeções dos cidadãos contra a recomendação de se fazerem autopsias.
Apesar das rejeições populares, em 1538, Guillaume Rondelet (1507-1566), médico, anatomista e naturalista francês, professor da Universidade de Montpellier, França, realizou autopsia em seu filho e, mais tarde, requereu autopsias para a sua cunhada e a sua primeira esposa.
Guillaume Rondelet (1507-1566)
Andréas Vesalius (Andries van Wesel) (1514-1564), médico, anatomista flamengo (belga), autor da famosa obra de anatomia De Humani Corporis Fabrica (1543), realizou dissecações para os seus estudos, em cadáveres de cemitérios, ou de enforcados, ou em partes de corpos, e fez estudos de ossos retirados dos cemitérios. Vesalius não conseguiu libertar-se totalmente do modo de pensar de Galeno, incluindo a Fisiologia e a Patologia deste, porém a sua objetividade de investigação levou-o a divergir de Galeno também com novas observações e correções.
Andréas Vesalius (1514-1564) & De Humani Corporis Fabrica, 1543
Geralmente os relatos das autopsias não eram detalhados. O que os médicos viam e relatavam era muito pouco e estava de acordo com os limites de seus conhecimentos, os quais condicionavam as suas expectativas, interpretações e descrições. Consequentemente, a correlação dos achados na autopsia com a história clínica (sinais e sintomas) era variável, desde nenhuma até detalhada, especialmente nos estudos de relatos de casos. Porém, as correlações anatomoclínicas não eram, necessariamente, corretas e, usualmente, uma vez encontrada a suposta causa da morte, a necropsia era interrompida.
O Período do Renascimento. Antonio di Paolo Benivieni
No final do século XV um médico italiano, Bernard Tornius (1452-1497), professor de medicina na Universidade de Pisa, Itália, autopsiou um menino, provavelmente com menos de 12 anos de idade, a pedido do pai. No relato da autopsia, sob a forma de uma carta ao pai, iniciou dizendo: “Sofro pela sua triste perda, pois perder um da prole é difícil; mais difícil é perder um filho, e mais difícil ainda é perdê-lo por uma doença ainda não totalmente compreendida pelos médicos. Para o bem das outras crianças, penso que examinar os seus órgãos internos será da maior utilidade.” A carta foi concluída com várias recomendações médicas preventivas em relação às outras crianças, irmãs do falecido, para se evitar que tivessem a mesma doença que levou à morte o irmão delas. Clinicamente o menino apresentou febre, dificuldade em respirar e lassitude. Bernard Tornius abriu o abdome e observou no fígado algumas manchas como úlceras. Abriu os intestinos no bordo mesentérico e encontrou dois vermes. A luz da veia porta (veia cava?) apresentava-se obstruída por um “humor viscoso” (provavelmente coágulo post-mortem) na origem das veias emulgentes (veias renais); os rins estavam inchados e a bexiga cheia. No tórax o coração estava aumentado e a artéria pulmonar estava cheia de “humor viscoso.” Tendo feito estas constatações Bernard Tornius encerrou a autopsia por julgar já ter a causa da morte e relatou toda a dissecção em apenas uma página. Em outras quatro páginas fez discussão, inferências e recomendações, tendo como fundamento as teorias médicas de Galeno (Galenus, c. 130-200 d.C.), médico grego, de Pérgamo, e de Avicena (Ibn Sīnā) (980-1037), filósofo e médico persa.
Antonio di Paolo Benivieni (1443-1502), médico, filósofo, literato italiano, natural de Florença, muito contribuiu para promover a realização das autopsias e o conhecimento em Patologia. Em 1507 foi publicada a sua obra De abditis non nvllis ac mirandis morborvm et sanationvm cavsis (Sobre algumas causas ocultas e admiráveis das doenças e as curas), de visão galênica, que apresenta 111 relatos breves de pacientes, incomuns, com informações clínicas, dos quais 16 têm correlações com os achados em autopsia, sendo mencionadas as anormalidades anatômicas encontradas, em descrições breves, que explicariam a causa da morte, de acordo com os conhecimentos da época. Algumas das autopsias foram feitas diretamente por Antonio di Paolo Benivieni, enquanto nas outras ele foi observador. Benivieni em seus estudos anatomopatológicos foi o primeiro a descrever a perfuração intestinal. Também descreveu sobre cálculos na vesícula biliar, abscessos no mesentério, e várias outras observações, com análises objetivas, precisas e exatas.
A. di P. Benivieni (1443-1502) | De Abditis Non Nvllis Ac Mirandis Morborvm et Sanationvm Cavsis (1507) |
O Século XVII. Os Tratados Sobre Autopsia
Nos séculos XVI e XVII muitas autopsias foram feitas e registradas. No século XVII os estudos anatômicos em si, detalhados, passaram também a ser valorizados com o intuito de se melhor compreender a estrutura e a função, a anatomofisiologia. Uma das grandes compilações sobre autopsia da época é o Sepulchretum Sive Anatomia Practica, ex Cadaveribus Morbo Denatis, Proponens Historias et Observationes Omnium Humani Corporis Affectum, Ipsorumq; Causas reconditas revelans. Quo Nomine, tam Pathologiae Genuinae, quam Nosocomiae Orthodoxae Fundatrix imo Medicinae Veteris ac Novae Promptuarium, dici meretur, Cum Indicibus necessaris, de Théophile Bonet (Theophilus Bonetus) (1620-1689), médico suíço, publicado em 1679, com segunda edição em 1700. Nesta obra foram compilados os registros de 2806 autopsias, com relatos variando de poucas linhas à metade de uma página ou várias páginas, de cerca de 450 autores, desde Galeno até os médicos do final do século XVII, dos quais são citados alguns:
Theophilus Bonetus (1620-1689) | Primeira edição de 1679 | Segunda edição de 1700 |
Thomas Bartholin (1616-1680) | Thomas Bartholin (1616-1680), médico, matemático e teólogo dinamarquês, filho de Caspar Bartholin, o velho (1585-1629), irmão de Rasmus Bartholin (1625-1698), e tio de Caspar Bartholin, o jovem (1655-1738), todos com importantes contribuições originais no estudo da anatomia.
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Gabriele Falloppio (1523-1562) |
Gabriele Falloppio (1523-1562), médico, cirurgião, anatomista italiano. Obra: Observationes anatomicae (1561), onde fez comentários sobre a obra De Humani Corporis Fabrica de Vesalius e três descrições originais sobre as trompas uterinas, os centros de ossificação (fetos e recém-natos), as dentições primária e secundária, as musculaturas da cabeça, da órbita, etc. |
Jean François Fernel (1497-1558) |
Jean François Fernel (1497-1558), médico, anatomista, fisiologista, filósofo, matemático francês. Obras principais: De naturali parte medicinae (1542) e Universa medicina (1554).Sistematizou o ensino médico grecolatino, bizantino e arábico, segundo uma concepção aristotélico-galênica, com acréscimos originais, ordenando-os em capítulos sobre Physiologia (incluindo a morfologia), Pathologia e Therapeutica, em sua obra Universa medicina (1554). Fernel classificou as enfermidades, explicou as funções do corpo na saúde e na doença, e procurou associar as doenças com as anormalidades de órgãos internos descobertas nas autopsias. Ele descreveu os sinais e sintomas na gripe (influenza),o modo de infecção da sífilis (lues venerea), e os achados post-mortem na tuberculose, na endocartite, cálculos na pelve renal e o apêndice vermiforme rôto, entre outros. |
William Harvey (1578-1657) |
William Harvey (1578-1657), médico, anatomista e naturalista inglês, fez uma síntese do já conhecido e uma descrição completa da circulação sanguínea, correlacionando, de modo correto, as estruturas anatômicas com a função. Realizou, por exemplo, a autopsia de seu pai e discutiu em palestras públicas sobre o tamanho incomum do cólon paterno. Também realizou, a pedido do rei, a autopsia de Thomas Parr, um homem supostamente com 152 anos de idade, entre outras. Harvey muito valorizava o exame dos corpos de pessoas falecidas de doenças com longa duração, como sendo de grande valor para o progresso da medicina. |
Jan Baptista van Helmont (1579-1644) |
Jan Baptista van Helmont (1579-1644), médico, químico e fisiologista belga. Sua patologia é iatroquímica, adotando ideias de Paracelsus. Rompeu com a teoria dos humores e introduziu novo conceito de enfermidades, considerando-as como sendo individuais, cada uma delas específica em si mesma, assim como as suas causas. Fez estudos sobre a tuberculose pulmonar, asma e alergia (com relatos clínicos), hidropsia e doenças renais, a peste, cálculos, formação do pus, empiema, etc. Realizou autopsias em pacientes hidrópicos para verificar se o fígado estava ou não afetado. |
Marcello Malpighi (1628-1694) |
Marcello Malpighi (1628-1694), médico, anatomista, embriologista e botânico italiano. É tido como o “pai da anatomia microscópica,” por ter feito importantes estudos anatômicos microscópicos em Zoologia, Botânica, Anatomia, Embriologia e Patologia. Sua descrição da circulação sanguínea pelos vasos capilares foi importante contribuição complementar às descobertas de William Harvey. |
Paracelsus (1493-1591) |
Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (Paracelsus) (1493-1591), médico, botânico, químico, físico e astrólogo suíço, pioneiro no uso sistemático de produtos químicos, incluindo minerais, na terapêutica. Também usou medicação a base de plantas, segundo as concepções galênicas. Estudou a enfermidade dos mineiros; a sífilis (congênita, pós-parto e visceral); a coreia de São Vito, determinando ter causa natural; o cretinismo, associando-o com o bócio endêmico e ao conteúdo da água potável; a histeria nas mais variadas formas, etc. |
Ambroise Paré (1510-1590) |
Ambroise Paré (1510-1590), barbeiro cirurgião francês, pioneiro em técnicas cirúrgicas no campo de batalha, no tratamento de ferimentos, e da Patologia Forense. Sobressaiu-se pelo tratamento das feridas por arma de fogo, eliminando o óleo fervente, torturante e nocivo, substituindo-o pela mistura de gema de ovo, óleo de rosas e terebintina; a prática da ligadura vascular nas amputações; a herniotomia sem castração; o restabelecimento da versão podálica no parto, etc. |
Jean Riolan, o jovem (1580-1657) |
Jean Riolan, o jovem (1580-1657), médico, anatomista e botânico francês, filho de Jean Riolan, o velho (1539-1606), médico francês e professor de medicina da Universidade de Paris, foi o primeiro a descrever as anastomoses arteriais, sendo um grande defensor das doutrinas de Galeno e, por isso, opositor dos novos conceitos da circulação do sangue descritos por William Harvey. |
Daniel Sennert (1572-1637) |
Daniel Sennert (1572-1637), médico e químico alemão, professor da Universidade de Wittenberg, foi defensor da Patologia Humoral de Galeno, procurou conciliar, em parte, as teorias de Aristóleles, Galeno e Paracelsus. Em sua obra De Chemycorum cum Aristoteles et Galenicis Consensus ac Dissensu, 1619, atacou as ideias místicas de Paracelsus. |
Andreas Vesalius (1514-1574) |
Andreas Vesalius (1514-1574), médico e anatomista flamengo (belga), autor de importante obra de anatomia humana De Humani Corporis Fabrica (1543), sendo considerado o fundador da anatomia moderna (renascentista). Vesalius procurou conciliar as atividades de médico clínico, cirurgião e dissecador anatômico. Por meio de suas observações diretas no corpo humano, rejeitou as concepções anatômicas de Galeno, que transferia para o corpo humano o observado na dissecações que realizava nos macacos, porcos e cães. |
Johann J. Wepfer (1620-1695) |
Johann Jakob Wepfer (1620-1695), médico patologista e farmacologista suíço, fez descrições anatomopatológicas sobre a vasculatura do encéfalo, com as anastomoses em sua base, e o acidente vascular encefálico (apoplexia). Obra: Observationes anatomicae ex cadaveribus eorum, quos sustulit apoplexia, cum exercitatione de eius loco affecto (1658). |
Thomas Willis (1621-1675) |
Thomas Willis (1621-1675), médico e anatomista inglês, pioneiro no estudo da anatomia do sistema nervoso. Em sua obra Cerebri anatome: cui accessit nervorum descriptio et usus (1664), descreveu grande número de estruturas do encéfalo: corpos estriados, tálamo, corpos mamilares, a disposição arborescente das substâncias cinzenta e branca cerebelares, o corpo caloso, os vasos na base do encéfalo (polígono de Willis), etc. Na obra Pathologiae Cerebri et Nervosi Generis Specimen, 1667, Willis procurou relacionar as desordens psicológicas com as estruturas cerebrais. Também muito valorizou os estudos da anatomia patológica e as correlações com a clínica para a melhor compreensão da medicina, tendo realizado autopsias em pacientes da aristocracia, segundo a vontade dos mesmos em seus testamentos. |
Em Sepulchretum sive Anatomia Practica ex Cadaveribus Morbo Denatis ..., Théophile Bonnet descreve os sinais e sintomas, não necessariamente correlacionados corretamente com os achados na autopsia, e as interpretações e conclusões diagnósticas, de acordo com os conhecimentos da época. Os nomes das doenças são dados segundo os sinais e sintomas. Como exemplo, há o relato de uma menina de 7 anos de idade, autopsiada a pedido da mãe, que apresentava pouco volume urinário, com urina concentrada e escura, febre baixa, dor de cabeça, palidez, inchação da face e das mãos, “catarro” pulmonar ao deitar-se, sinais de “obstrução” do abdome inferior por ser firme e inchado, com vômito seroso, vindo a apresentar convulsões e morte. À autopsia o abdome estava cheio de líquido seroso, onde os intestinos flutuavam, o estômago e os intestinos estavam cheios de gás, o fígado bastante aumentado com cor e constituição normais, o baço normal, e os rins inchados, com 3 vezes o tamanho normal. Como tais achados não lhes permitiram encontrar a causa da morte, resolveram examinar o tórax. Este continha muito fluido, os pulmões mostravam-se “endurecidos” nas porções superior direita e inferior esquerda, e o coração aumentado, com muito fluido no pericárdio. O diagnóstico final foi de “leucoflegmasia produzida por doença dos pulmões,” sendo o relato colocado na categoria de “Caquexia, Anasarca e Leucoflegmasia.” A menina parece ter tido glomerulonefrite aguda, de acordo com os sinais e sintomas, uma doença desconhecida no século XVII. Porém, não foram correlacionados corretamente os sinais e sintomas com as anormalidades encontradas. Mesmo tendo sido observado um grande aumento dos rins, isto não foi valorizado, assim como os demais achados no exame do abdome, motivo pelo qual resolveram procurar a causa principal da doença no tórax. Neste observaram as alterações no coração e as pulmonares, provavelmente broncopneumonia, que consideraram a doença principal, a causa oculta que explicaria todo o quadro clínico.
Giovanni María Lancisi (1654-1720) |
Giovanni María Lancisi (1654-1720), médico, anatomista e epidemiologista italiano, em 1705, diante de um grande número de mortes súbitas entre os habitantes de Roma, a pedido do Papa Clemente XI (1700-1721) [Giovanni Francesco Albani (1649-1721)], resolveu fazer necropsias para descobrir as causas de tais mortes, o que deu origem ao seu livro De subitaneis mortibus (1707). Lancisi com base nos achados anatomopatológicos e as informações patológicas antecedentes, obteve em vários casos conclusões diagnósticas satisfatórias, de acordo com os conhecimentos da época. Em tais estudos Lancisi correlacionou com as mortes súbitas as anormalidades encontradas no coração e nos grandes vasos da base, tendo muito bem descrito a hipertrofia e a dilatação cardíaca (aneurisma cordis), diferenciando-as. Em outra obra, De motu cordis et aneurysmatibus (1728) abordou sobre a anatomia cardiovascular e suas doenças, com ênfase na dilatação cardíaca, inclusive descrevendo endurecimentos da valva aórtica, com cúspides “ossificadas” ou “cartilaginosas,” e correlacionando estes achados como causa da dilatação cardíaca, entre outros relatos. De motu cordis et aneurysmatibus (1728) |
O Século XVIII. A Tradição e Giovanni Battista Morgagni
No século XVIII o exercício da medicina ficou mais sofisticado e a Patologia teve um avanço considerável, onde a autopsia continuou a ter um papel importante.
Hermann Boerhaave (1668-1738), médico, humanista, químico e botânico holandês, fundador do ensino da clínica médica e da prática médica acadêmica hospitalar moderna, ao estabelecer as regras da história clínica, estruturada com a anamnese e o exame físico do paciente, a discussão diagnóstica, o prognóstico, o tratamento e a correlação com os achados na necropsia. Muito contribuiu para o avanço do conhecimento médico em duas obras. A primeira surgiu em 1724 (V. Atrocis, nec descripti prius, morbi historia, In: Hermanni Boerhaave Opera Omnia Medica Completenctia). Nesta, Hermann Boerhaave enfatizou a importância da história clínica em todos os detalhes para se compreender uma doença. Como exemplo, relatou minuciosamente a história de um nobre glutão, com tendência a desenvolver gota, o qual após fazer uma imprudente lauta refeição, com carnes variadas, sopa, verduras, frutas, doces, cerveja e vinho, passou a sentir-se mal com alguma coisa que “irritava a abertura do estômago.” Após tentativas infrutíferas para obter alívio pelo vômito, ele sentiu uma dor horrível “como alguma coisa próxima na parte superior do seu estômago tivesse rompido, separado ou deslocado.” Sofrendo grande agonia ele tomou muita medicação pela boca, incluindo eméticos, e muito líquido, sem conseguir alívio. Apesar da grande quantidade de líquido ingerida, urinou muito pouco. Os sofrimentos eram intensos e ele morreu em agonia, enquanto os médicos permaneciam de pé, sem iniciativa, completamente desconcertados. O procedimento da autopsia narrado com detalhes preenche quase seis páginas impressas. A autopsia foi cuidadosamente feita, passo a passo, com incisão do apêndice xifoide até o púbis e “então para as áreas lombares; fazendo-se quatro incisões para não lesar ou remover nada de sua posição.” Os diferentes órgãos e regiões do abdômen foram descritos com detalhes variados, apressadamente onde havia pequenas alterações e longamente onde a aparência era anormal. Nenhum órgão foi removido. Como o exame do abdômen não explicou os achados clínicos “a causa verdadeira da doença acredita‑se estar no tórax.” Depois dos órgãos abdominais terem sido colocados em suas “posições naturais” o tórax foi cuidadosamente aberto. Trata-se do primeiro relato de rotura do esôfago. O tórax continha mais de 10 litros de líquido. A ruptura real do esôfago e da pleura adjacente e o colapso dos pulmões foram vividamente descritos, assim como o método preciso do exame. Exceto por uma pequena incisão no esôfago o órgão não foi cortado ou removido. |
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Hermann Boerhaave (1668-1738) |
Na segunda obra, em 1728, (VI. Atrocis, rarissimique Morbi historia altera, In: Hermanni Boerhaave Opera Omnia Medica Completenctia), no relato de um paciente também é dado interessante esclarecimento sobre o procedimento da autopsia. Clinicamente o caso era um completo quebra-cabeça. Apesar do “relato exato de todos os sintomas óbvios de serem compreendidos e manifestados durante o curso da doença, ainda nada se sabia sobre a real causa da doença, até que a autopsia foi feita.” Os aspectos mais importantes da história relatada com detalhes eram: um homem jovem, com idade não informada, por 10 a 11 meses apresentou sintomas, com início lento, caracterizados por dor no hemitórax esquerdo, associada com tosse irritante. A dor espalhou-se, aumentou, tornando-se insuportável, e acompanhada de tosse e de grande dificuldade em respirar. O jovem morreu em intensa agonia, virtualmente por asfixia. Na autopsia, H. Boerhaave examinou apenas o tórax, descrevendo as cuidadosas incisões e o procedimento de entrada no tórax, preservando tudo em seu lugar. Uma grande massa envolvia o mediatino e as cavidades torácicas, comprimindo os pulmões, o coração e os vasos. O tumor homogêneo era “o sebo mais puro” e pesava cerca de 7 libras (3,17 kg). Provavelmente o tumor era um lipossarcoma. Aparentemente somente a massa tumoral foi removida do corpo, sendo terminada a autopsia, pois H. Boerhaave tinha encontrado razões “suficientes para explicar, sem exceção, todos os sintomas,” e não viu motivo para mais dissecação.
No século XVIII as autopsias eram feitas em quantidade e as referências sobre os achados apareciam em muitos textos médicos e revistas científicas. Porém, com Giovanni Battista Morgagni (1682-1771), médico patologista e anatomista italiano, professor da Universidade de Pádua, o conhecimento da Patologia alcançou altos níveis. A abordagem racional, que tratou em grande parte dos conceitos prévios, que poderiam dar uma explicação para todos os fenômenos e sistematizar todas as facetas da doença, tinha atingido seu clímax com Hermann Boerhaave e seu pupilo Hieronymus David Gaubius (1705-1780), médico e químico alemão, professor de medicina e química na universidade de Leiden, Países Baixos, autor de um livro-texto de Patologia, Institutiones Pathologiae Medicinalis, 1758. Desse modo, a Patologia com uma abordagem empírica e uma paulatina acumulação de informações, foi apresentando um lento e constante progresso.
Giovanni Battista Morgagni (1682-1771) & Hieronymus David Gaubius (1705-1780)
A obra Sepulchretum sive Anatomia Practica ex Cadaveribus Morbo Denatis, Proponens Historias et Observationes, 1679, de Theophilus Bonetus (1620-1689), tinha oferecido uma vasta quantidade de observações de autopsia, porém com uma mínima abordagem sistematizada (síntese). Giovanni Battista Morgagni (1682-1772), entretanto, coroando uma vida de estudo empírico dos pacientes, não somente coletou grande quantidade de informações patológicas, mas também as correlacionou com as observações clínicas, em um modo que trouxe novos esclarecimentos para a Patologia. Os dados clínicos formavam a estrutura e os achados anatômicos forneciam as explicações. G. B. Morgagni evitou as especulações pré‑concebidas e manteve-se bem próximo dos dados observados e das inferências que vinham diretamente dos achados anatomopatológicos encontrados.
A partir da obra de Morgagni, G.B. - De sedibus, et causis morborum per anatomen indagatis libri quinque. 2 tomos. Venetiis, typog. Remondiniana, 1761, aprende-se muito sobre os procedimentos da autopsia em sua época, pois são descritas 700 necropsias com correlações clínicas, de modo a mostrar que as doenças derivam de alterações em órgãos específicos, indo contra a doutrina humoral das doenças em voga. Por exemplo, uma mulher de 75 anos de idade, muito gorda, enquanto “estava exercendo os seus trabalhos domésticos com grande atenção ... sentiu algo dentro dela mover-se para cima e para baixo ... a casa parecia cambalear,” e após “um estertor muito curto, ela morreu.” G. B. Morgagni fez a autopsia no dia seguinte, cuja descrição e a análise preencheram quatro e meia páginas impressas in quarto (cada folha é dobrada em quatro, dando oito páginas). Na abertura do corpo ele observou uma grossa camada adiposa. Cortou as cartilagens das costelas, com relativa pouca resistência, e removeu o esterno. Uma grande quantidade de gordura preenchia o mediastino, e o diafragma estava muito alto. Os pulmões estavam “saudáveis,” exceto por ter notado aderências pleurais, posteriormente, no lado esquerdo. O pericárdio, distendido com sangue, “parecia um esferoide,” com quase um palmo [aproximadamente com 9 polegadas = 23 centímetros] de diâmetro. Ele não fez menção de ter removido o coração, tendo aparentemente examinado-o in situ. Observou uma ruptura posteriormente, do tamanho de uma lentilha, onde o ventrículo estava adelgaçado. Com mais detalhe descreveu “um osso com mais de uma polegada em espessura, na forma de meio círculo, ao qual a valva mitral se aderia.” Relatou calcificação aórtica e alterações “ósseas” no sistema arterial. No abdômen observou o omento e o mesentério, o baço, o pâncreas, a vesícula biliar (contendo 14 cálculos), e os rins, descrevendo-os brevemente, sem mencionar outros órgãos. Examinou o crânio e seu conteúdo, chamando-lhe a atenção exostoses frontais. A autopsia forneceu material para estudos adicionais, tendo removido os rins, a aorta, a parte do coração mais próxima da aorta, e as tubas uterina. Porém, o que ele fez com estes órgãos, nada disse. |
As autopsias, pelo menos nos casos de morte em casa, "particulares,” requeriam expressa permissão dos familiares. Por outro lado, as pessoas que morriam no hospital podiam, aparentemente, serem dissecadas sem permissão, primariamente, para o benefício dos estudantes de anatomia. Por exemplo, uma mulher sofreu um ataque de apoplexia. Após 3 dias em casa, foi levada para o hospital, onde morreu em um dia. G. B. Morgagni estava ensinando anatomia na faculdade e o corpo da mulher foi levado para lá, sendo a maior parte do mesmo dissecada, incluindo o cérebro; isto cerca de oito dias após a sua morte. Há muitos outros exemplos semelhantes relatados. As pessoas com morte violenta eram também levadas para a faculdade para as demonstrações anatômicas. Em todos estes casos, onde a dissecação era primariamente para o estudo da anatomia, G. B. Morgagni não observou quaisquer alterações patológicas.
Em suma, nesta obra, fruto de 60 anos de observações e reflexões, sem pressa, Morgagni fez relatos clínicos com correlações anatomopatológicas, que explicam os sinais e sintomas. Deu ênfase nos detalhes, procurando ser o mais completo possível, segundo os limites do conhecimento de seu tempo.
O Século XIX. A Medicina Hospitalar. Uma Mudança de Paradigma
G.B. Morgagni foi, de fato, o ponto mais alto de uma tradição que progrediu constantemente desde o século XVI. Porém, no final do século XVIII novos desenvolvimentos introduziram novas mudanças na Patologia e na condução das autopsias. Pode-se considerar Marie François Xavier Bichat (1771-1802), médico francês, cirurgião, clínico, fisiologista e anatomopatologista, como uma importante referência no modo de exercer e estudar a medicina. Em sua breve vida ele exemplificou o que chamamos de “médico completo,” isto é, em sua pessoa ele centrava todas as atividades médicas, pré-clínicas e clínicas, anatomia, fisiologia e patologia por um lado, e o cuidado à beira do leito por outro, todas exercidas com distinção.
Marie François Xavier Bichat (1771-1802) & M. F. X Bichat morrendo em companhia dos amigos médicos Pierre Jean Baptiste Esparron (1776-1818) e Philibert Joseph Roux (1780-1854). Por Louis Hersent (1777-1860).
M.F.X. Bichat é melhor conhecido como o “Pai da Histologia” por ter dirigido a atenção para os componentes dos órgãos, os tecidos. Os órgãos são naturalmente compostos. M.F.X. Bichat, meticuloso pesquisador, distinguiu 21 diferentes tipos de tecidos no corpo, estabeleceu as diferenças fundamentais entre eles e determinou muitas das suas propriedades, tudo feito sem o recurso do microscópio, somente pela dissecação e o uso de procedimentos físicos e reações químicas simples. O estudo dos tecidos faz também parte da ciência da anatomia.
M.F.X. Bichat foi também um fisiologista interessado na função e nas diferenças entre o vivo e o não vivo. Como clínico trabalhou assiduamente nas enfermarias e até mais assiduamente no necrotério. No ano em que morreu ele realizou, nos meses de inverno, cerca de 600 autopsias. A sua dedicação às autopsias estava intimamente ligada com o seu interesse nos pacientes vivos, tudo pela unidade da medicina clínica.
Em seu trabalho final, publicado postumamente, M.F.X. Bichat comentou brevemente sobre a inter-relação entre as disciplinas médicas. Afirmava que deveríamos “dissecar em anatomia, experimentar em fisiologia, acompanhar a doença e fazer a necropsia em medicina; estes são os três caminhos de desdobramento sem os quais não pode haver anatomista, fisiologista e médico.” Para Bichat era muito importante a íntima correlação entre o estudo clínico dos pacientes e os achados na autopsia. O grande crescimento dos hospitais no século XVIII, com grande número de pacientes nas enfermarias, para serem estudados clinicamente; o novo espírito na curiosidade científica, e da medicina permeada de interesse científico, favoreceram os novos pontos de vista defendidos por Bichat. Na época da revolução francesa, o mais importante foi a grande mudança no clima intelectual, que varreu o obsoleto do antigo regime, e permitiu que jovens entusiastas, como Bichat, surgissem rapidamente para experimentar, para perceberem novos problemas e encontrarem novas respostas. Não é acidental que no primeiro terço do século XIX a França tenha sido o centro da medicina mundial. A prática clínica hospitalar era o caminho do progresso em medicina, alcançado pelo grande número de pacientes, cuidadosamente observados, enquanto vivos e minuciosamente autopsiados, quando mortos. O mesmo médico clínico que via os doentes em vida os autopsiava. A correlação dos dados clínicos com os achados na autopsia foi feita em larga escala, produzindo um grande progresso no conhecimento médico.
Paris tinha, de fato, numerosos grandes médicos, que praticavam a medicina hospitalar, podendo‑se citar alguns, entre muitos outros:
Philippe Pinel (1745-1826), médico francês, pioneiro da psiquiatria moderna (Traité Médico-Philosophique sur L’alienation Mentale, 1809). Em sua obra Nosographie philosophique, ou La Méthode de L'analyse Appliquée à la Médecine, 2 volumes, 1798, Pinel classificou as inflamações da pele, membranas mucosas, membranas serosas, tecidos conjuntivos, músculos e junturas, sendo a primeira vez que se tentava mostrar semelhanças nas doenças em diferentes ti pos de tecidos, o que chamou a atenção de seu pupilo M.F.X. Bichat; |
Marie François Xavier Bichat (1771-1802), médico francês, cirurgião, clínico, fisiologista e patologista, estabeleceu como as bases patológicas das doenças as alterações nos tecidos e enfatizou a importância da correlação anatomoclínica no estudo da patogenia, com importantes obras: Traité des Membranes en Géneral et des Diverses Membranes en Particulier, 1799, Recherches Physiologiques sur la Vie et la Mort, 1799, e Anatomie Générale, Appliquée à la Physiologie et à la Médecine (4 tomes), 1801; |
Gaspard Laurent Bayle (1774-1816), médico patologista e clínico francês, com importantes estudos sobre o câncer (Traité des Maladies Cancéreuses, 1833-39) e a tísica pulmonar, tendo cunhado o termo tuberculose (Recherches sur la Phthisie Pulmonaire, 1810), pdf; |
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Jean Nicolas Corvisart (1755-1821), médico clínico francês, pioneiro da cardiologia moderna (Essai sur les Maladies et les Lésions Organiques du Coeur et des Gros Vaisseaux, Extrait des Leçons Cliniques, 1806, 1811, 1855); |
René Théophile Hyacinthe Laennec (1781-1826), médico clínico e anatomopatologista francês, inventor do estetoscópio, com estudo pioneiro sobre a auscultação mediata e as doenças do tórax (De l’Auscultation Médiate ou Traité du Diagnostic des Maladies des Poumons et du Coeu, 1819). |
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François Joseph Victor Broussais (1772-1838), médico clínico francês, cultor da medicina fisiológica (Histoire des Phlegmasies ou Inflammations Chroniques, Fondée sur de Nouvelles Observations de Clinique et D'Anatomie Pathologique, 1808), e |
Pierre Charles Alexandre Louis (1787-1872), médico clínico francês, que introduziu o “método numérico” (estatístico) no estudo das doenças, em grandes séries de casos (Observations Relatives aux Perforations Spontanées de L’intestin Grêle dans les Maladies Aguë, 1823, e muitos outros).
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Todos eram médicos de referência, com suas inúmeras publicações, fundamentadas nas suas experiências nas autopsias que realizavam. Eles em suas discussões forneciam a história clínica, descreviam as aparências externas dos pacientes, e detalhavam os exames do tórax, do abdômen e da cabeça. Os órgãos eram descritos com mais ou menos detalhes, dependendo da quantidade e do tipo das alterações patológicas e do caso clínico em questão. Segundo as obras citadas acima, muitos escreveram monografias e livros sobre tópicos específicos, demonstrando grande experiência em doenças tais como, a tuberculose, a febre tifoide, a pneumonia, a “gastroenterite,” etc, as quais eram focadas com base nas autopsias. Frequentemente, as descrições esclareciam o procedimento da autopsia, assim como o empenho e o interesse de cada um em realizá-la.
Por exemplo, Pierre Antoine Prost (1770-1832), médico e cirurgião francês do Hôtel Dieu de Lyon, do início do século dezenove, em sua obra Médecine Èclairée par L’Observation et L’Ouverture des Corps, Tomes 1 & 2, Paris, Demonville, 1804, [Tome 1 e Tome 2] deu igual peso às observações clínicas e à autopsia, ambas servindo para esclarecer a medicina. Referindo-se à medicina ele dizia que é “uma ciência que deve ser baseada em fatos, e que muito frequentemente é objeto de vans conjecturas.” Ele criticava os que, fundamentando‑se na Patologia, antecipavam em que órgão era o local da doença e examinavam particularmente o órgão, de modo que quaisquer alterações anatômicas encontradas eram interpretadas como sendo a causa da doença e deixavam de fazer mais exames por serem considerados desnecessários; método também seguido por Hermann Boerhaave. Pierre Antoine Prost, por outro lado, declarou “ao invés de procurar a causa da doença em órgãos pressupostos de serem o seu sítio, eu tentava encontrar todas as anormalidades dos órgãos nas doenças, e as diferenças que podiam ser observadas nos líquidos e nos tecidos sólidos durante a evolução das doenças.” Tais palavras defendem a autopsia completa. No preparo de seu livro Prost realizou mais de 400 autopsias, nenhuma delas durando menos do que “várias horas” para ser feita e algumas até levando um dia inteiro. |
Pierre Antoine Prost, apesar de suas críticas, deu especial atenção à mucosa do tubo digestivo inteiro. Isto era para ele um trabalho “horrivelmente repugnante,” o qual iria, algum dia, segundo ele, contribuir, de modo inabalável, para fundamentar o desenvolvimento do conhecimento médico. P. A. Prost era um adepto da escola que assinalava um papel causal especial para a gastroenterite, doutrina que ficou especialmente associada com o nome de François Joseph Victor Broussais (1772-1838), já citado, cultor da medicina fisiológica, que considerava como principal causa das doenças crônicas a irritação e a inflamação do tubo digestivo, as “gastroenterites.” Os protocolos das autopsias de Pierre Antoine Proust, usualmente, descreviam o trato gastrointestinal com detalhes consideravelmente maiores do que os dos outros órgãos. Prost exemplifica o dito de que, em geral, observa-se o que se quer ver e que as percepções dependem, ou são influenciadas, pelas teorias prévias.
François Joseph Victor Broussais (1772-1838)
A medicina do início do século XIX formava um quadro extremamente complexo. A correlação da clínica com os achados da autopsia foi a grande contribuição do século XVIII, a qual alcançou níveis mais altos na primeira metade do século XIX. Pelas correlações anatomoclínicas os médicos definiram as doenças de um modo mais preciso, e começaram a ver a enfermidade como um processo, isto é, as doenças apresentam um desenvolvimento, uma evolução, onde o fator tempo é importante. Correlativamente, esta abordagem tornou mais preciso o julgamento crítico dos médicos e promoveu o espírito científico. Porém, a medicina hospitalar, na prática usual, não resultou no tratamento efetivo, curativo ou preventivo, dos pacientes e apresentou, relativamente, poucas mudanças nos fundamentos conceituais básicos da medicina, que surgiram durante o século XVIII. O avanço do estudo microscópico em Patologia e das pesquisas em ciências básicas iriam mudar tais conceitos de modo efetivo.
A Microscopia. Uma Grande Mudança de Paradigma
Na primeira metade do século XIX, entretanto, o desenvolvimento das ciências básicas ou pré-clínicas muito contribuiu para melhorar a infraestrutura no exercício da medicina. A fisiologia e a química fizeram grandes progressos, porém, o mais importante foi o desenvolvimento do microscópio, por revolucionar a compreensão da anatomia e da patologia. A teoria celular e o exame direto ao microscópio, introduziram novos paradigmas no estudo das doenças.
No início o microscópio constituía uma ferramenta de pesquisa que um grupo relativamente pequeno de investigadores, zoologistas, botânicos, parasitologistas, etc, tirou grandes proveitos, pois os estudos microscópicos muito estimularam as pesquisas básicas em busca de novos conhecimentos. A autopsia macroscópica foi o começo, porém os verdadeiros avanços em Patologia vieram com o uso das novas técnicas de preparo dos tecidos, estimuladas, igualmente, pelos estudos microscópicos. Assim, a microscopia promoveu um entendimento mais profundo e detalhado das enfermidades, associado com muitos estudos experimentais. Como resultado, os conceitos básicos em Patologia como a inflamação, a degeneração, a necrose, a trombose e o câncer, etc, começaram a ter significados mais precisos, que influenciaram no diagnóstico, no tratamento, no prognóstico e na prevenção das doenças, revolucionando a prática médica.
Desde antes de 1844, John Hughes Bennett (1812-1875), médico patologista, fisiologista, inglês, já reconhecia as limitações da Patologia macroscópica que, segundo ele, “não mais fornecia fatos suficientemente novos e importantes o bastante para avançarem o estudo da Patologia,” e, assim, muito valorizou o uso do microscópio no estudo das doenças em sua obra: On the Employment of the Microscope in Medical Studies. A Lecture Introductory to a Course of Histology, Edinburgh, MacLachlan, Stewart & Co.,1841.
John Hughes Bennett (1812-1875)
Desse modo, o microscópio e os novos métodos químicos de coloração, em número crescente, no preparo dos tecidos, iriam restaurar o lugar de importância do exame post-mortem, por fornecerem as respostas, que apenas o exame macroscópico não mais fornecia. Toda mudança de paradigma gera incompreensões nos contemporâneos, sendo um exemplo disto os conflitos entre Karl von Rokitansky (checo: Karel Rokytanský) (1804-1878), médico patologista, humanista, filósofo e político liberal, natural da Boêmia, e Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902), médico patologista e político alemão, pioneiro no estudo das bases celulares da Patologia.
Karl von Rokitansky (1804-1878) | Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902) |
Karl von Rokitansky realizou 30.000 autopsias, cerca de 1500 a 1800 por ano, e supervisionou em torno de 70.000. Foi o patologista macroscópico mais competente em toda história da medicina. Como é compreensivo diante dos novos métodos de estudo que surgem, foi um retardatário em aceitar o microscópio, tendo publicado alguns estudos histopatológicos. Sua obra principal: Handbuch der patologischen Anatomie, vol. 1 (1842), vol.2 (1844), vol. 3 (1846). Ele estabeleceu o seu protocolo e a técnica de necropsia com o exame dos órgãos in situ, onde são cortados e posteriormente retirados. Rokitansky foi sistemático e completo ao descrever várias novas condições patológicas e fornecer critérios seguros para muitas outras. Ele pesava e media os órgãos, e cuidadosamente procurava por sinais de inflamação, abscessos ou crescimento de tumores, além de notar anormalidades congênitas, procurando tudo correlacionar com as informações clínicas.
Karl von Rokitansky, 1839 | Handbuch der patologischen Anatomie, Wien, 1846 |
Rudolf Ludwig Karl Virchow, 17 anos mais jovem do que Rokitansky, cresceu com o microscópio e contribuiu muito para o seu desenvolvimento como instrumento de estudo em Patologia. Karl von Rokitansky, habilidoso como era na Patologia macroscópica, falhou em suas interpretações teóricas fundamentadas na macroscopia apenas. Rudolf L. K. Virchow, por seu lado, contribuiu notavelmente para as teorias básicas em Patologia, graças aos estudos histopatológicos, afirmando que a origem das doenças está nas células, sendo as suas teorias sobre o câncer e as células publicadas, respectivamente em: Zur Entwickelungsgeschichte des Krebses, Archiv pathol Anat Physiol klin Med, 1 (1): 94-204, 1847, & Die Cellularpathologie in ihrer Begründung auf physiologische und pathologische Gewebelehre, Berlin, 1858.
Zur Entwickelungsgeschichte des Krebses, Archiv pathol Anat Physiol klin Med, 1 (1): 94-204, 1847. |
Die Cellularpathologie in ihrer Begründung auf physiologische und pathologische Gewebelehre, Berlin, 1858. |
Em suma, a autopsia macroscópica tradicional, com cuidadosa atenção aos aspectos clínicos, foi um estádio preliminar na aquisição do conhecimento e ainda exerceu importante função neste período, porém a sua capacidade de fornecer novos conhecimentos tornou-se muito limitada. O exame macroscópico dos órgãos permaneceu o esteio da rotina em Patologia e cimentou o já aprendido, porém com relação à pesquisa serviu, principalmente, para mostrar que novos caminhos de investigação deveriam ser tomados. O exame apenas macroscópico nas autópsias permitia definir as doenças, porém não as explicava, o que só foi possível com o estudo microscópico.
A Técnica. A Padronização dos Procedimentos em Autopsia
O progresso requereu a sistematização e a padronização dos procedimentos de autopsia, que baseada somente em dissecações caprichosas, foi sendo questionada na busca de novas respostas.
Francis Delafield (1841-1915), médico patologista norte-americano, publicou um volume intitulado A Hand-Book of Post-Mortem Examinations and of Morbid Anatomy, New York, William Wood, 1872, que combinava como conduzir um exame post-mortem ordenadamente, com breves discussões dos achados patológicos principais.
Francis Delafield (1841-1915)
Rudolf L. K. Virchow publicou um pequeno livro (Die Sections-Technik im Leichenhause des Charité-Krankenhauses, mit besonderer Rücksicht auf die gerichtsärztliche Praxis, Berlin 1876, traduzido da 2a ed. alemã por T.P. Smith como Post-mortem Examination with Especial Reference to Medico-Legal Practice, Philadelphia, Presley Blakiston, 1880) sobre a execução da autopsia com descrições detalhadas, baseadas em sua própria experiência, desde antes de 1844. Nesta época as autopsias eram feitas principalmente por jovens assistentes de cirurgiões, sem um método ou técnica regulares, tornando difícil serem feitas novas descobertas. Quando Rudolf L. K. Virchow tornou-se dissecador, em 1846, insistiu na importância da padronização do método, da técnica em autopsia. Isto tornou-se importante nas autopsias médico-legais, que deviam ser completas. Um protocolo típico de Rudolf L. K. Virchow, por exemplo, compreendia catorze páginas de cerca de 4 x 7 polegadas (10,16 x 17,78 cm). Ele media muitos órgãos, mas não todos. Nenhum peso era dado. O procedimento inteiro da autopsia levava 3 horas. Novamente podemos pensar em Pierre Antoine Prost que dizia, em 1802, que 3 horas era o tempo mínimo para o exame post-mortem.
Rudolf Virchow - Die Sections-Technik im Leichenhause des Charité-Krankenhauses, mit besonderer Rücksicht auf die gerichtsärztliche Praxis, Berlin 1876.
Em 1859 Virchow afirmou que a anatomia patológica era somente “um suplemento da clínica. Como regra o professor de clínica determinava, enquanto o paciente estava vivo, que órgão era o objeto da investigação; a autopsia desta forma era, usualmente, confinada ao órgão, ou pelo menos abordava todos os outros, apenas de modo secundário.” Rudolf L. K. Virchow, que queria que a Patologia se tornasse uma ciência independente com todos os seus direitos, insistiu que todos os órgãos do corpo deveriam ser minuciosamente examinados. Embora ele ignorasse os comentários de Pierre Antoine Prost, que há mais de 50 anos tinha manifestado o mesmo ponto de vista, seus próprios exames foram muito mais detalhados do que os de Prost. Entretanto, como os primeiros patologistas, os limites de seu conhecimento ditaram os seus procedimentos. Assim, ele declarou sobre o pâncreas: “A pouca importância deste órgão, sob o ponto de vista anatomopatológico, torna o seu exame de pouca relevância.”
Desde então houve muitos progressos nas técnicas de autopsia e muitos manuais sobre o assunto foram sendo publicados. Os procedimentos mudavam; por exemplo, o grau com que o estudo microscópico tornou-se parte da rotina da autopsia, sendo feitas as relações entre os achados patológicos macroscópicos e microscópicos revolucionaram os conceitos em Patologia. Com o tempo, disciplinas acessórias à Patologia foram tornando-se importantes, de modo que novos métodos de exame passaram a incluir novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, envolvendo os estudos histológicos, celulares, subcelulares e moleculares.
O Século XX. Consolidação e Declínio da Realização da Autopsia
As complexidades dos procedimentos das autopsias atuais estão muito distantes das autopsias nos séculos XVII e XVIII, ainda que a autopsia moderna sirva à dupla função. Deve responder qual é a causa da morte de um paciente, permitindo desenvolver o conhecimento geral sobre a doença. No princípio a dissecação anatômica era virtualmente o único método no avanço do estudo científico da doença. Agora, entretanto, a dissecação é apenas o início.
William Osler (1849-1909) |
No início do século XX o progresso médico dependia amplamente da beira do leito e da sala de autopsia. O bom clínico dava cuidadosa atenção à história, sinais físicos e ao curso da doença. Quando o paciente morria, a autopsia deveria confirmar o diagnóstico ou, se não, mostrar o verdadeiro estado das coisas de modo que o clínico pudesse descobrir onde e porque errou. Pelas observações na autopsia ele poderia aumentar sua compreensão do conhecido e, com mente científica, descobrir novos caminhos para o desconhecido. Os clínicos excelentes gastavam considerável tempo na sala de autopsia e frequentemente eram eles mesmos que faziam a autopsia, sendo importante exemplo desta era William Osler (1849-1909), médico clínico canadense, professor da McGill Medical School, Montreal, Canada (1874-1884); da University of Pennsylvania, Philadelphia, USA (1884-1889), da Johns Hopkins School of Medicine, Baltimore, Maryland, USA (1889-1904), e da University of Oxford, England (1904-1909). William Osler realizou cerca de 1000 autopsias, deixou escritos 5 volumes de protocolos de autopsias e coletou em torno de 200 espécimens para o Medical Museum of McGill University. |
William Osler (1849-1919) na realização de autopsia no necrotério Blockley, Hospital Geral da Philadelphia (1886 ou 1889). Osler foi apontado como patologista oficial do Hospital Geral da Philadelphia, após a sua chegada lá. Ele foi catedrático de Clínica Médica na University of Pennsylvania, Philadelphia, de 1884-1889. A Osler é creditado o dito: “One Medicine, one Pathology.” Osler estagiou 3 meses com R.L.K. Virchow, e autopsiava seus próprios pacientes. Note a falta de luvas, máscara e de roupa apropriada (Osler Library Photography Collection, Osler Library of the History of Medicine, McGill University, Montreal, Q. C., Canada). |
Abraham Flexner (1866-1959) |
A autopsia também servia como um instrumento de grande valor para o ensino, desde o estudante iniciante até o professor catedrático. Ao mesmo tempo as autopsias criaram uma ligação direta com as ciências laboratoriais, como, por exemplo, a Patologia Experimental e a Bacteriologia. A “Patologia Clínica,” especialmente a química e a hematologia, estavam também adquirindo grande importância, porém, nesta época, os testes disponíveis eram relativamente poucos e faziam parte dos conhecimentos dependentes da autopsia. Apesar dos rápidos avanços na ciência médica o ensino médico norte-americano, em geral, permaneceu com baixo nível. O famoso Relatório Flexner de 1910 (Abraham Flexner, 1866-1959, educador norte-americano) auxiliou no estabelecimento dos altos padrões no ensino médico, sendo dada grande importância à Patologia e à autopsia. Graças a este relatório a educação médica e a prática hospitalar norte-americanas muito melhoraram nos trinta anos seguintes. Veio, então, a Segunda Guerra Mundial e 10 anos após o fim da guerra a prática da autopsia sofreu severo ataque. Este fenômeno extraordinário merece um exame de perto. |
A Desvalorização da Autopsia
Com o Relatório Flexner a autopsia começou a ter uma importante parte na decisão da acreditação hospitalar, pela seguinte razão: os bons hospitais realizam muitas autopsias; os hospitais ruins fazem poucas. Aumentando-se a taxa de autopsias os hospitais ruins irão automaticamente melhorar, pois um maior número de autopsias estimularia um maior cuidado no diagnóstico e seria uma importante fonte de ensino.
O American Board Certification estabeleceu padrões rigorosos no treinamento dos médicos patologistas, de modo que o nível médio de competência dos patologistas melhorou. O treinamento centrava-se largamente nas autopsias, apesar da Patologia Cirúrgica estar se tornando cada vez mais importante.
Por muitas razões, incluindo os padrões rigorosos de acreditação e o aumento da consciência do público, as taxas de autopsia nos hospitais aumentaram muito. Como consequência o número das autopsias realizadas rotineiramente no serviço de patologia hospitalar muito aumentou, sobrecarregando os patologistas.
Além do mais, os “exames laboratoriais” tornaram-se muito importantes na prática médica. Eles, além do genuíno valor, foram tornando-se mais e mais populares, reforçando-se a impressão de que a prática médica é “científica.” Quando o seguro de assistência hospitalar pagou as contas, o laboratório clínico tornou-se o centro financeiro do hospital, junto com o serviço de radiologia. Desde que a direção do laboratório clínico coube ao médico patologista, este passou a ter menos tempo para os estudos por meio da autopsia. E como os médicos residentes em Patologia tinham que aprender Patologia Clínica, o tempo disponível para aprenderem por meio das autopsias foi sendo negligenciado.
Coincidentemente os fundos governamentais tornaram-se disponíveis para a pesquisa experimental. Ora, a pesquisa demanda publicações, estas dão reputação profissional, avanço acadêmico, aumentos de salário e mais verbas. Devido a estes fatores o modo de encarar a Patologia, nos círculos acadêmicos e na comunidade hospitalar, foi sofrendo uma mudança.
Isaac Starr (1895-1989) |
Logo após os meados do século XX, vozes críticas começaram a aumentar e a autopsia tornou-se o foco de ataque. Em 1956, Isaac Starr (1895-1989), médico cardiologista e epidemiologista clínico norte-americano, escreveu um editorial no Journal of the American Medical Association intitulado “Potential Values of the Autopsy Today” (JAMA 160: 1144-145,1956). Ele afirmou que a era presente é “caracterizada pelo aumento da confiança no experimento como meio de se adquirir conhecimento médico.” Simultaneamente o interesse na autopsia estava declinando, começando com o professor, cujo principal interesse estava na experimentação, e estendendo-se para o corpo clínico. Desde que a percentagem de corpos submetidos à autopsia aumentou, o “necrotério ficou atolado com o trabalho de rotina. O que antes era um raro privilégio tornou-se um fardo.” Isaac Starr negava que “no presente a pesquisa importante está vindo dos estudos feitos nas autopsias rotineiras.” E como corolário do afirmado, ele perguntava por que alguém aconselharia um promissor jovem patologista a “gastar muito tempo fazendo autopsias hoje?” Ele apontou a grande pilha de registros acumulados de autopsias, nos quais nenhuma informação de valor foi tirada, e considerava ser “ridículo continuar coletando informações de rotina deste tipo.” |
De fato, “as autopsias, aumentando em número, passaram a ter as proporções da pesquisa experimental, demandando em suas realizações maiores habilidades, gastos de tempo e dinheiro.” Em defesa do valor da autopsia muitos se levantaram, podendo-se citar os grandes avanços médicos nos 20 anos prévios, que se deram através dos estudos em autopsia; sendo ainda a lista de tais avanços impressionante. A autopsia, segundo os defensores, pode ainda prover enorme quantidade de informação e aprendizado não somente com as correlações anatomoclínicas, mas também com a associação do exame histopatológico com os métodos de estudo envolvendo a imuno-histoquímica e a imunofluorescência, a genética, a hibridização in situ, a reação em cadeia da polimerase, e inúmeros outros estudos em biologia molecular, além da microscopia eletrônica, contribuindo, desse modo, para o aprofundamento dos conhecimentos em Patologia Molecular, Patologia Celular, Histopatologia, e muitos outros correlacionados com as Ciências Básicas, a Clínica Médica, a Imagenologia e a Cirurgia.
A dedicação dos chefes de departamento à pesquisa experimental e as suas negligências com o ensino e o serviço assistencial médico levaram a muitas críticas, como o pouco interesse na realização das autopsias, por serem muito ocupados com a pesquisa e com os trabalhos administrativos envolvendo o ensino. A dificuldade dos serviços de autopsia em adquirem de modo rápido, as recompensas na forma de subvenções, publicações e promoções, em contraste com a pesquisa experimental, também contribuiu para o desinteresse nas autopsias.
Qual é o propósito primário do exame post-mortem? Um escritor insistiu que era “primariamente” checar a acurácia diagnóstica do corpo clínico. Outras questões surgiram: quanto tempo e esforço deveriam ser empregados neste propósito particular? De fato, Isaac Starr tinha um ponto meritório quando criticou a massa de detalhes inúteis acumulados nos protocolos de autopsia. As críticas de Starr eram e são totalmente procedentes nas autopsias malfeitas, sem padronização, incompletas na execução, na redação do laudo macroscópico, no estudo histopatológico e no laudo final.
Diante das críticas, Joseph Forde Anthony McManus (1911-1980), médico patologista canadense, um dos pioneiros na histoquímica, considerou errado tratar todas as autopsias por igual. Ele também reforçou o desperdício quando todo caso é autopsiado detalhadamente. Ao invés, ele pleiteava para seleção e reconhecimento duas categorias diferentes de autopsias, cada uma com procedimentos característicos, próprios, sendo uma de “pesquisa” e a outra de “rotina.”
John Beach Hazard (1905-1994) |
Em 1965, John Beach Hazard (1905-1994), médico patologista norte-americano, enfatizou o grande valor da autopsia, porém considerou a sua execução em massa sem propósito, e que é de pequena importância “meramente aumentar o número de autopsias.” Como J. F. A. McManus, defendeu uma seleção e que as autopsias deveriam ser distinguidas como “autopsia de pesquisa” e “autopsia de ensino,” e insistiu na íntima colaboração entre o clínico e o médico patologista. |
Na prática médica atual a melhoria e a sofisticação crescentes nos exames laboratoriais clínicos e de imagem têm muito contribuído para a desvalorização da autopsia mundialmente, pois a correlação entre a Patologia Clínica e os Exames de Imagem substituiu a clássica correlação anatomoclínica. Apesar disso, a necessidade da autopsia para checar os diagnósticos clínicos e de imagem reais tem sido repetidamente reforçada por vários pesquisadores, que têm demonstrado as discrepâncias entre os achados anatomopatológicos e os diagnósticos clínicos ou por imagem (leia em). Além disso, não se pode negar que as autópsias completas continuam sendo uma ferramenta de pesquisa indispensável e um meio de ensino sem igual, tanto as clínicas, quanto as médico-legais (forenses).
Uma lição da história pode ser sumarizada num editorial publicado no Journal of the American Medical Association, onde se afirmou o óbvio:
“É um equívoco pernicioso pensar que a mera dissecação post-mortem leva ao progresso na ciência médica ...o progresso depende não da autopsia, mas da pessoa que está examinando o material. Aqueles que creem que mais autopsias feitas resultarão em mais progresso na ciência médica, estão pleiteando não por mais autopsias em si, e sim por mais pessoas que têm imaginação, originalidade, persistência, acuidade mental, boa base educacional, a indispensável “mente preparada,” sem a qual as observações são estéreis. É um grave desserviço confundir a execução de autopsias com a centelha da compreensão intuitiva (insight) que a autopsia pode desengatilhar. Nós queremos o insight; e as autopsias sozinhas, não importa quão numerosas, não são o equivalente.” [King, L. S. – Of autopsies (editorial). JAMA 191:1078-1079, 1965].
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Todas as épocas são limitadas em seus conhecimentos. O relato da história deve levar isto em conta, para se evitarem o anacronismo e a injustiça com os que já faleceram, ao se avaliar o passado, segundo a ciência do presente.
“Uma nova ideia científica não vinga porque os seus oponentes a aceitam, mas porque
os seus oponentes morrem e uma nova geração cresce familiarizada com ela.”
Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947)
Prêmio Nobel de Física, 1918.
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https://en.wikipedia.org/wiki/Max_Planck#/media/File:Max_Planck_1933.jpg
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